Em um beco, numa pequena cidade, mora um grupo de cães de rua. São vira-latas em essência e comem qualquer coisa que lhes dão, na verdade eles viram, de fato, as latas para poderem comer. Lá, entre eles, existe um Rei: o Rei dos Cachorros!
Sendo o Rei dos Cachorros se têm privilégios, pois é o primeiro a comer, não precisa ficar virando todas as latas em busca de comida (os inferiores fazem isso) e, o melhor, possui um lugar de destaque entre as fêmeas, mesmo estando elas fora do seu período de cio anual. Um destaque ser o Rei dos Cachorros! Alguém especial entre os excluídos e inferiores.
Não pense você que é uma vida fácil. Tem lá suas vantagens, claro! Mas ser o Rei dos Cachorros não é tarefa para qualquer um. Neste beco, por exemplo, podemos encontrar centenas de cães sem raça, sem dono, sem estrutura alguma, que tentaram de tudo para alcançar este lugar e não conseguiram. Hoje são unidos em paz pela força maior do seu Rei, que luta todos os dias para manter seu domínio em equilíbrio entre os sarnentos.
Um reinado pequeno, é certo. Porém lá, ele é obedecido, é o mais importante e todos nele se espelham: O Rei dos Cachorros é um rei de fato. Ora bolas!
Existe também um palácio de pedras e tijolos nesta pequena cidade onde um Rei humano (isso mesmo, um homem) comanda toda a população! E lá, como em todo bom palácio, mora um cachorro. Este é, podemos chamar assim, o Cachorro do Rei.
Sendo o Cachorro do Rei ele não manda em nada, muito pelo contrário, está sempre a disposição para obedecer às ordens, servir e divertir seu dono (O Rei) e a família real. Em troca ele tem um teto, uma boa cama, comida em fartura e pode dormir a maior parte do tempo. Não precisa lutar pela sobrevivência nem, muito menos, pela liderança. Está em um ambiente seguro onde até um médico veterinário o visita todas as semanas e, o cozinheiro, prepara sempre um prato especial aos domingos.
O Cachorro do Rei possui um grande jardim onde pode correr à vontade e ter o convívio de nove cadelas de raça, todas lindas e saudáveis, à sua disposição. E olhe que ele nem chega a ser um cão de raça, é apenas um cão fiel e obediente ao seu dono.
De vez em quando os olhares se cruzam. No alto do palácio, em uma janela sem vidros, o Cachorro do Rei olha e vê, nas ruas, o Rei dos Cachorros. Ele pensa: “- Que bom seria de eu pudesse correr e liderar uma matilha!” – suspira – “- Ser o líder de um bando solto nas ruas...”.
Lá embaixo, na esquina de um dos becos, o Rei dos Cachorros olha para o alto e vê um cão na janela, e pensa: “ – Que vida de Rei, não precisa virar latas, como eu, para comer e nunca é incomodado pela chuva ou frio.” – suspira – “ – Como deve ser bom ter alguém para cuidar da gente...”
Onde estamos agora? Quem somos nós nessa história infantil? O que buscamos para nossa vida?
Ser o Cachorro do Rei? Significa não ser o líder, mas ter conforto e segurança.
Ser o Rei dos Cachorros? Isso impõe responsabilidades e muita luta todos os dias.
Pense: você pode estar suspirando agora, neste momento, na janela de um palácio ou na esquina em um beco. Algumas pessoas poderiam ser o Cachorro do Rei, cansadas de virar latas vazias. Outras podem preferir ser Rei, mesmo numa terra devastada.
Em nossas escolhas, qualquer uma delas, sempre temos ganhos e perdas. Vivemos tentando alcançar algo que vemos no outro e deixamos de vivenciar nossa própria existência.
Nota: Agradecimentos ao palestrante Lúdio Porto Alegre pela idéia deste texto e à psicóloga Beatriz Acampora pela visão alternativa da mesma história.