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domingo, 23 de maio de 2021

O QUE É MAIS IMPORTANTE?

 



                 Júpiter se levantou, caminhou até a sacada e olhando para o mar falou com sua voz de trovão:

- A palavra! Certamente é o mais relevante.

                Buda, sem parar de comer, o interrompeu:

- Zeus, tem de existir intenção. Sem intenção não há força nas palavras...

- Não me chame assim gordinho. Não gosto que me chamem pela minha identidade grega. -Disse Zeus (desculpe) Júpiter!

- Júpiter está certo!

                A mesa inteira olhou para o jovem rapaz cabeludo e de barbas longas.

- Como sabem, falo em nome de Meu Pai e nas escrituras sagradas está escrito que no princípio era o verbo. Somente da palavra de Meu Pai que tudo foi construído. Dessa forma, está bem claro a força que existe na palavra.

- Jesus – falou Buda – Em primeiro lugar fale por você mesmo, já que é você que está aqui na mesa conosco e, em segundo lugar, nem todo mundo tem o poder de Seu Pai. Sendo assim a palavra pode ter pesos diferentes dependendo de quem a profere.

                Jesus, nitidamente aborrecido, olhou firme para Buda e disse:

- Gordinho, existia um homem que vivia nas montanhas cuidando de ovelhas, um dia...

- Pêra aí? Outra parábola?  Não! De deixo nenhum... – cortou Buda

                A mesa inteira olhou sério para Jesus e ele finalizou:

- Conto essa depois.

                Eu permanecia sentado quieto no meu canto apenas observando o desenrolar daquela interessante discussão. Foi quando Vishnu se levantou (na verdade flutuando) e disse quase cantando:

- Todos aqui sabem que são meros frutos de meu estado onírico. No meu despertar tudo será desconstruído. Mas, estando em meu sonho, nesse momento, merecem minha atenção.

                Júpiter ameaçou falar algo, mas Vishnu continuou:

- O mais importante é cultuar o afastamento da ideia de uma personalidade isolada do todo e, ao alcançar a unidade, cultivar o real desejo pela conquista de seus objetivos. Somente então a intenção e a palavra podem ter seus efeitos.

- Concordo plenamente – Disse Krisnha de forma superanimada e começou a bater palmas para Vishnu – Muito boa a sua fala senhor!

- Muito obrigado, mas quem é o senhor?

- Eu? Eu sou você amanhã! – Respondeu Krisnha sorrindo.

                Mitra, que estava quase escondido em seu lugar, toma a palavra de maneira tímida:

- Senhores, acho que tudo isso só pode ser possível se o individuo possuir a clareza de uma construção frasal adequada. Sem saber pedir ao universo pode-se conseguir um retorno negativo daquilo que realmente deseja. Muitas pessoas não sabem solicitar o que desejam... não sabem falar o que querem...

                Júpiter, e os demais da mesa, ficaram pensativos e em silêncio. Foi nesse momento que Buda me olhou e falou:

- E você? Representante dos humanos nesse sonho paradoxal, o que tem a dizer?

                De fato, era um sonho. Era possível perceber que a sala mudava de tamanho e forma a cada momento. Mas, já que estava ali tinha de colocar meu pensamento:

- Tudo que todos os senhores disseram é verdade e faz parte de um conjunto único.

                Consegui a atenção deles: todos olhavam para mim.

- No entanto, posso acrescentar apenas um detalhe: a consciência. É primordial que a consciência esteja desperta para que o desejo, fé, crença ou intenção estejam colocados de maneira correta. Assim, a palavra, articulada com o conteúdo assertivo, pode encontrar o eco perfeito no universo que sempre responde: queiramos ou não.

                Silêncio na mesa e finalmente Vishnu falou:

- Mas, foi exatamente isso que eu disse.

                Alguns deram risadas e eu finalizei:

- É preciso despertar as pessoas, ativar a consciência de quem são e do que podem.

                Acordei, neste instante, sob a ilusão de ter ouvido uma salva de palmas.

 

Por João Oliveira

               

sábado, 1 de maio de 2021

O SOLDADO SEM MEDO

 


O SOLDADO SEM MEDO

Por João Oliveira

Mahadevi estava nervoso. Afinal, Açoca, o poderoso imperador, não estava lhe dando a devida atenção. O avançar da hora sinalizava que ele teria de viajar na escuridão pelas terras dos Mujavats. Povo perigoso e que costumava atacar viajantes desprevenidos.

Açoca era o imperador de toda Índia. A dinastia Máuria estava no seu auge neste ano de 212 a.C. e, com certeza, a compra irá valer a pena toda essa espera de quase um dia. Pense bem: esperar pelo imperador mais poderoso da Terra não era tão ruim assim.

 - O que tem hoje Mahadevi? Diga meu mercador do oeste. 

- Meu Rei, tenho o que há de melhor. Veja esses tecidos leves que trouxe de terras distantes - são feitos de fios gerados por vermes - ou esse pó que se parece com cúrcuma mas na verdade é uma forte pimenta do norte. 

- Mahadevi o que são essas pedras? 

- Meu Rei, são cristais de poder infinito que posso lhe ofertar por um valor simbólico...

A conversa e os negócios foram se alongando até que Mahadevi enfim falou:

- Meu Rei, temo viajar pelo vale após o escurecer. Mas tenho de estar em Gurapav antes do amanhecer para encontrar fornecedores. 

-Medo dos Mujavats? 

- Sim meu Rei, não me envergonho de reconhecer o meu temor pelos Mujavats.

- Não se preocupe. Irá lhe escoltando o meu melhor homem. 

Ao dizer isso o Rei se levantou e gritou bem alto:

- Chamem o Soldado Sem Medo! 

Mahadevi arregalou os olhos e perguntou quase murmurando:

- Um soldado sem medo? 

- Sim, meu caro! – disse o Rei – O mais temido de todo o reino, o único homem que não tem medo de nada. Ele lhe fará escolta até Gurapav e chegará em total segurança com todos os seus pertences. Nenhum salteador Mujavat irá lhe fazer mal.

Assim ocorreu. 

Cada um em seu cavalo durante quase toda a noite. Mesmo que ouvissem barulhos na floresta nenhum salteador se aproximou deles. A presença do Soldado Sem Medo fez toda diferença. 

Nem era tão grande assim. Na verdade, ele tinha até um tipo físico muito comum. Mas, era a sua face fechada como uma nuvem de monção, que impunha terror a pessoas comuns. 

O portão da cidadela de Gurapav estava fechado e o Soldado Sem Medo ordenou: 

- Abram os portões para o mercador Mahadevi em nome de Sua Majestade Imperador Açoca! 

Palavras mágicas ditas pelo homem certo. 

Mahadevi desceu do cavalo, pois, não se entra montado em nenhuma fortaleza. Os guardas do portão o receberam com reverências.

Ele foi até o Soldado Sem Medo que já estava fazendo a volta com o seu cavalo. 

- Me diga lá nobre Soldado Sem Medo, é real que nada teme nesse mundo? 

O Soldado sem medo curvou o corpo com uma voz bem baixa disse ao mercador: 

- Nada, não temo nada. Nem cobras ou elefantes, nem homens ou fantasmas e nem mesmo a doença ou a morte. 

- Mas isso é espetacular. Como alcançou essa capacidade?

O Soldado Sem Medo curvou o corpo mais ainda e, no ouvido de Mahadevi, confessou: 

- Eu nada tenho. Não tenho pai, mãe, mulher, filho... não tenho nem esse cavalo que é do Rei ou a cama onde durmo na estrebaria. Nada tendo, nada temo perder. 

Mahadevi ficou parado com os olhos arregalados e a boca totalmente aberta enquanto o Soldado Sem Medo se afastava de volta à capital Málaga. 

Já passando pelos arcos do portão Mahadevi se virou e gritou:

- E felicidade? Tem? 

O Soldado Sem Medo já estava quase totalmente encoberto pela escuridão da madrugada e, sem se virar, gritou de volta: 

- Também não! 

Moral da história: o medo surge quando existe a possibilidade, real ou não, de perda. Óbvio que só se pode perder algo que se tem. E, pensando melhor, quem tem algo é porque assim o conquistou.

Então, fazendo as contas no ábaco, o temor é algo que pode aparecer naqueles que são capazes de conquistar. Nos que possuem vitórias na vida. 

Não há muito o que pensar: além de ter é preciso manter e confiar. Pois, o temor, pode apenas ser uma lembrança da luta antes da conquista.

Simplificando para as mentes mais humildes do reino de Açoca: vive sem medo aquele que nada tem a perder ou aquele que confia na capacidade de manter suas conquistas.