Por João Oliveira
Já se passaram alguns anos desde
que o velho se mudou para esse lado longínquo da floresta, desde então as
visitas dos filhos e amigos foram se tornando cada vez mais escassas e ele cada
vez mais recluso. Saía de casa para conferir as armadilhas e ver se algum
pequeno animal se tornaria a proteína do almoço ou dar longos passeios em meio
as grandes árvores. Só havia um lugar onde ainda não tinha estado: a íngreme montanha.
Já lhe disse porque ele se
refugiou na floresta? Não? Por medo de doenças e da morte.
Esse mesmo velho estava junto com
John Snow em 1854 quando ele descobriu a origem do foco do cólera na Broad
Street em Londres. Na verdade, ele fazia parte da igreja do reverendo Henry
Whitehead ajudando a identificar as moradias das pessoas que haviam contraído o
cólera. Assim, foi possível descobrir que a maioria das vítimas residiam
próximo a uma bomba d’água pública. Com a retirada da alça da bomba, impedindo o
acesso a água, o surto da doença acabou em poucos dias. Mais tarde descobriram
que uma fossa estava contaminando o poço.
Nosso personagem nessa história
era um forte defensor da teoria miasmática. Essa teoria afirmava que as
doenças (peste negra, cólera e etc) eram transmitidas pelo ar viciado. Ninguém,
naquela época, imaginava a possibilidade da existência de bactérias ou vírus.
Não existia a teoria microbiana.
Dessa forma, com medo do ar das
grandes cidades e das doenças mortais que ele podia conter, o velho acabou se
refugiando na floresta onde o ar era puro e fresco.
Hoje ele decidiu, pela primeira
vez, subir pela encosta da montanha. Pegou vários mantimentos e seguiu
calmamente em direção a parte mais alta onde podia avistar o branco da neve. Enquanto
subia pensava no quanto afortunado era de ter escolhido um lugar livre das
terríveis doenças e como isso lhe garantia longos anos de vida.
Distante do vento poluído de
Londres ele se sentia cada vez mais jovem e, por isso mesmo, se arriscava agora
a escalar o trecho mais íngreme da rocha sólida. A dificuldade só aumentava,
chegou a tal ponto que abandonou as mochilas para ficar mais leve e tornar o
trajeto mesmo doloroso.
Em certo ponto, agarrado apenas
pelas pontas dos dedos à parede quase lisa, pensou como seria a vida de uma
montanha. Sempre estática observando o nascer e o desaparecimento das
civilizações. Não era o maior ser vivo do mundo, este, com certeza (pensava
ele) era o oceano.
Veio o desequilíbrio, queda e
morte instantânea. Tombou de uma altura de 30 metros e, durante a queda, sentiu
um pouco de liberdade.
Foi o vento! O mesmo que levava
as doenças pelo ar. O velho se foi dessa vida levando a certeza absoluta que
era ele (o vento) responsável por carregar a morte certa nas cidades poluídas
do século XIX.
A lufada de ar prosseguiu o seu
caminho logo após tombar o homem balançando as árvores que deixavam frutos
maduros caírem ao chão. Esses frutos alimentaram animais, serviram de adubo
para outras plantas e, das sementes germinaram novas árvores frutíferas. O
vento também balançou o berço da criança, a rede do idoso e inflou as velas dos
navegantes e pescadores.
O vento é tão mortal quanto
qualquer outra coisa desse mundo e, como tudo, também é responsável por gerar
vida. Até o veneno mais poderoso de uma pequena aranha está a serviço da vida.
A morte, consequência da vida, irá tocar cada ser vivente em seu devido tempo.
Mesmo os que se refugiam no meio da floresta ou se escondem nas profundezas
abissais.
Depois de dar à volta ao mundo o
vento soprou, gentilmente, um pedaço de pano branco que cobriu o rosto do
velho.