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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O SOL




Por João Oliveira

                Quando ela abriu a janela sentiu o vento quente e o cheiro das folhas secas que já estavam no solo. O calor seco invadiu o ambiente e a luz, branca absoluta, fez ferver a pele como uma adaga perfurante. Não era um dia qualquer, era o último dia de todos os seres viventes na Terra.


                Há muito que os rios deixaram de fluir e os oceanos estavam reduzidos tanto pela constante evaporação sem chuvas quanto pela utilização pelas populações que deles retiravam água para filtragem e utilização. O preço do litro de água potável, mesmo subsidiado pelos governos, era o mais alto dos itens de sobrevivência, a alimentação saudável era algo do passado remoto.


                Agora o término é certo. Todos sabem a hora exata do fim, o sol explodirá as 11 horas e 11 minutos desta quarta-feira. Os cientistas já revelaram que não há escapatória mesmo para os que se esconderam nas profundas cavernas, a radiação resultante da explosão irá pulverizar, de forma instantânea, tudo que existe até a órbita de Júpiter, provavelmente o único planeta que continuará existindo deste pequeno círculo de amizade planetária.


                Ela resolveu olhar o sol até o final. O ridículo telejornal disse que não era para olhar direto, pois isso poderia causar cegueira no momento da explosão. E o que mais haveria para ver após... melhor, quem estaria aqui para ver. Olhar direto, todos os segundos até o fim, para o elemento da natureza que fez brotar a vida neste planeta e agora se preparar para extinguir todos os seres que nela ainda habitam.


                Muitas pessoas estão dopadas neste momento e tantas outras já abreviaram a espera com altas doses de venenos. Ela, solitária na montanha, ainda olha pela janela o taciturno astro rei em seus instantes finais. Neste momento o relógio marca 11 horas.


                Algo está começando a mudar, a cor do sol está se tornando azulada e o calor começa a diminuir. Um retrocesso está se dando neste exato momento, tal qual um tsunami alerta da sua chegada causando uma espetacular maré baixa, o sol apresenta uma personalidade serena antes de soltar sua fúria final.


                Uma luz. Bilhões de anos resumidos em um forte brilho sem som.

                Agora a visão é sideral. Um flash gigantesco de uma pálida supernova que se estende em todas as direções. Visto de fora é um belo espetáculo que mais se parece com o efeito de uma pedra atirada no lago. Uma onda de luz destruidora que renova matéria, recicla existências.


                O silêncio que sempre existirá é perene no frio galáctico e o choro, de uma criança pode ser ouvido em outra parte do universo. Um planeta classe 3, onde as condições existentes permitem aos seres de base carbono constituírem uma sociedade bem similar à que existiu em outra realidade. Lá nasceu hoje uma menina cega que, em outra vida, foi capaz de assistir a morte de um rei.


                Os ciclos são grandes e pequenos. Algumas entidades vivem por minutos, outras permanecem além do que entendemos ser eternidade. Mas, em algum momento, todos deixam de existir. Isso que chamamos de morte, é uma realidade para todos e para tudo. Cada um em seu tempo próprio e, perto do fim, sempre achamos que foi pouco.

               

               

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

SOLUÇÃO

Por João Oliveira



O senhor de aparentes 50 anos bate palmas na porta da casa às 16h00 de um sábado de sol.

- Boa tarde, a senhora é Kátia Maria funcionária das Telhas Perfeição?

- Sim sou seu, pois não? – disse a mulher segurando uma criança no colo.

- Sou Carlos André da Soluções Assessoria Empreendimentos, estou aqui em nome da empresa em que a senhora trabalha. Podemos conversar um pouco?

- Sábado à tarde? O que está havendo?

- Bom senhora Kátia, estudos apontam que as melhores soluções surgem nos momentos de lazer fora do compromisso funcional. Deixe-me perguntar: quanto tempo a senhora leva para ir de sua casa até o local de trabalho?

- Às vezes até uma hora e meia, depende do trânsito vou sempre de ônibus às vezes meu marido me leva... verdade é: nunca demora menos de uma hora.

- Bom, nossa empresa fez alguns levantamentos e acreditamos que a senhora possa ir, de casa para o trabalho em, no máximo 15 minutos a pé.

- Rs, rs... como meu senhor? O senhor sabe o meu trajeto?

- Justamente minha senhora. O seu trajeto é o problema. Será que não poderia existir outro caminho?

- Claro que não... olha, tenho de pegar o ônibus ali na esquina até a avenida principal. De lá pego outro em linha reta até bairro da empresa e depois ando mais uns dez minutos até a fábrica.

- Veja, a senhora sabe que em linha reta o trajeto completo não é mais que dois quilômetros?

- E o senhor sabe do valão no meio do caminho e que só tem uma ponte lá na avenida principal?

- Justamente por isso estou aqui, para pensarmos em soluções. Posso entrar?

- Claro, me desculpe. Vou servir um café. – Disse a mulher demonstrando satisfação.

               Com mais cinco minutos de conversa e um café com bolo veio a pergunta chave da questão:

- Como a senhora acha que pode ter mais qualidade de vida economizando cerca de 40 horas por mês otimizando o tempo de suas idas e vindas ao trabalho? Isso significa que, em um ano (já fizemos as contas) a senhora terá 25 dias de tempo livre, contando com dias de 8 horas em 200 horas poupadas. Isso não é bom?

- Claro que é, mas eu não tenho um balão!

- Balão.... balão... deixe eu anotar, não chegamos a pensar nisso. No entanto, tenho outras três opções aqui já estudadas e quantificadas. Gostaria de ouvir?

- O senhor deveria ter começado por aí... –  riu.

- Longo, médio e curto prazo. Vamos começar com a solução a longo prazo. – Tirou um pacote de papel da pasta – Aqui está o projeto de uma ponte que deve ser apresentado a Secretaria de Obras do Município com cópias para todos os vereadores e o excelentíssimo senhor prefeito. Junto também estão os orçamentos de três grandes empresas de construção.

- Nossa senhora! O senhor fez tudo isso?

- Na verdade nossos profissionais. A empresa que a senhora trabalha nos contratou para aumentar a produtividade e isso passa pelo bem estar de seus funcionários. Bem, aqui estou. Agora vamos a solução de médio prazo. 

               Tomou um pouco de café, comeu mais um pedaço de bolo e continuou:

- A de médio prazo precisa de um pequeno investimento financeiro de todos os envolvidos. Na mesma posição da senhora temos outros 45 funcionários da empresa. Todos terão, pelo menos, o ganho de duas horas por dia com a construção de uma pequena ponte só para pedestres. A empresa entra com 50% e o restante, rateado entre os funcionários, terá o custo de R$ 3.500,00 que pode ser pago em 24 meses, sem juros, descontado na própria folha de pagamento. Aqui está o projeto e, se for aprovado por todos os funcionários, a pequena ponte pode ficar pronta em menos de três meses. Aqui está o pedido de autorização que deve ser feito na secretaria de obras, aqui está o termo de doação...

- Doação?

- Sim, qualquer construção feita por cima de rios, córregos ou valões, mesmo sendo financiada por particulares ou feita dentro de propriedades particulares se torna bem público.

- E a solução de curto prazo?

- Pode começar na segunda feira. – Puxou outro pacote de dentro da pasta.

- Aqui temos o telefone de todos os 45 funcionários e o do barqueiro que já está aguardando sua ligação de autorização. Funcionará assim: O barqueiro irá se posicionar no final desta esquina no local de fácil acesso a água. Dois pequenos portos de um lado e do outro do valão serão ligados por um cabo guia preso ao pequeno barco. O próprio barqueiro já conversou na prefeitura e pode começar mesmo sem a autorização oficial. Ele irá ficar o dia todo, de 06h00 às 18h00, com o barco à disposição. Só para almoçar de 11h00 às 15h00.

- Mas, mas...  e o custo? O que faço?

- Cabe a senhora ligar para todos os funcionários e cada um terá que pagar R$ 10,00 por semana direto ao barqueiro. 

- Porque o senhor me escolher para fazer isso?

- Não escolhi, a senhora é a pessoa que está mais perto do local onde irá funcionar o processo. Portanto é a maior interessada e, por isto, deve ter uma motivação extra. A empresa não pode se envolver nisso diretamente. Então... boa sorte!

- Muito obrigado, vou começar agora mesmo. Só não sei como lidar com esse novo tempo livre...

- Viva... escolha algo que pode lhe fazer feliz e faça. A Soluções Assessoria Empreendimentos agradece seu tempo. Tenho de ir para São Paulo agora, problema com falta de água.

Moral da história: na vida é preciso analisar as situações difíceis, planejar soluções e ter o comprometimento para realizar as mudanças necessárias.

A NAVE

Por João Oliveira

               Após a estabilização da sequência de órbitas em volta do planeta chegou o momento de enviar uma equipe para contatar os habitantes pela primeira vez nessa incursão. Algumas precauções estavam sendo organizadas na nave de abordagem quando o segundo em comando chamou a atenção dos tripulantes que se preparavam para descer.

- Vocês sabem como devemos nos comportar na presença deles não é?

- Sim senhor! – gritaram todos ao mesmo tempo.

- Então vamos repassar algumas prioridades para não termos nenhum problema de comunicação com os locais. Lembrem-se que disso depende o futuro deles – não o nosso – No entanto, devemos fazer a nossa parte para que tudo possa transcorrer da melhor forma possível.

E continuou:

- Primeiro: Se perguntarem sobre a existência de Deus, qual a reposta padrão para não perturbar mais a mente deles?

Todos responderam em uma só voz:

- Não somos deuses! Deus é uma entidade superior a todos os astros e seus possíveis habitantes conscientes ou não, vivos ou não!  Deus é uma entidade além do tempo, da matéria e até mesmo da própria existência.

- Muito bem! – disse o segundo em comando com voz calma e tranquila – Não saiam dessa linha que vai dar tudo certo. Se começarem a perguntar sobre imortalidade da alma ou assuntos semelhantes mandem conversar comigo. Outra coisa importante: não entrem em detalhes sobre nosso aspecto físico, de saúde e tempo de vida. Eles vão nos pressionar para conseguirem curas para todos os males, pobreza e tudo mais. Nenhum de vocês está autorizado a resolver nenhum problema entre eles.

- Mas, nossa missão não é para ajudar os seres inferiores? – perguntou um dos mais humildes da tropa.

- De que academia você veio? – falou o líder da missão que surgiu das sombras como um furacão.

- Vim da Master Infinitus senhor alocado em vossa nave já há três ciclos...

- Só podia ser. Povo fisiologista... ganhar simpatia por favores ofertados. – falou olhando nos olhos do soldado – Não seja ridículo! – Gritou o líder – Eles não têm problema algum! O que falta nesses nossos cultivados é equilíbrio emocional, educação, senso de ridículo e ética!

- Só isso? – uma voz pequena saiu quase despercebida do fundo da nave.

- Quem disse isso? – falou furioso o segundo em comando.

- Fui eu senhor... é que depois de termos enviado mais de uma dezena de avatares, imposto cataclismos e pestes, o senhor ainda acredita que eles podem aprender o básico para uma existência saudável.

Um silêncio perturbador tomou conta da nave. O Líder em seu roupão prateado colocou as mãos (todas as quatro) atrás do próprio corpo e andou em círculos por alguns momentos. Parou e olhou para o alto dizendo:

- Essa é nossa última missão aqui, se não der certo dessa vez o nosso protocolo manda queimar tudo e começar do zero em outro planeta. Já se passaram 10 mil anos de civilização e esse povo ainda mata, rouba, engana... hoje é a última chance deles. Vamos, novamente, apresentar propostas de mudanças e aguardar só mais 50 anos solares. Se não houver mudança... bem, já vamos deixar os artefatos nucleares instalados.

- Escriba, anote aí! – falou o líder – Se não der certo o nosso cultivo de humanos aqui em Marte o próximo planeta que será alvo de nosso experimento é aquele ali meio azulado com um satélite branco grande. O chamaremos, já a partir de agora, de Terra! Isso em homenagem ao nosso próprio planeta azul.

- Nossa! – Exclamou um dos soldados - Como ele é bonito ... parece mesmo com a nossa Terra natal...

Foi uma festa! Todos aplaudiram e gritaram colocando fé naquele pequeno planeta azul. Como já sabemos o futuro de Marte não seria dos melhores mas, essa tal Terra. Ela sim, promete muito.