Endereços:

Instagram: @prospero.universo @dr.joao.oliveira.oficial Web: joaooliveira.com.br

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Substância




Por João Oliveira

                Após uma tempestade de fortes raios, um homem encontrou uma árvore envolvida em uma estranha substância. Algo que se movia com o vento, brilhava e destruía tudo que tocava, transformando em cinzas. Parecia estar viva e se rebelando contra o ambiente.

                Era uma época diferente de hoje. As pessoas não tinham palavras e transmitir conhecimento não era algo fácil. Sem os signos linguísticos, os gestos e os urros eram as únicas coisas que possuíam para duplicar experiências.

                Assim, aquele homem ficou parado olhando a beleza da espetacular substância.

                Não demorou muito para perceber que ela aquecia nas noites, ajudava a tornar os alimentos mais saborosos e, com muito cuidado, podia ser transportada de um lugar para o outro quando se agarrava aos galhos secos.

                Justamente essa tornou-se a missão de sua vida: manter aquela essência ativa. Todas às vezes que ela parecia estar se dissipando, ele soprava com a boca, juntava pequenas folhas secas e o substrato voltava a dançar no ar rebelde como sempre.

                Dia após dia pessoas vinham de longe buscar um pouco dessa maravilhosa substância da qual ele se tornou mantenedor. Traziam alimentos em troca de poder impregnar pedaços de madeiras com aquele brilho vivo e voltarem para suas cavernas felizes e satisfeitos. Nem todos tinham o mesmo cuidado em manter a atividade constante da substância e, quase sempre, as mesmas pessoas voltavam para pedir mais um pouco.

                Dessa forma, o cotidiano do nosso personagem se tornou repleto de visitas constantes e aquilo era o seu único modo de viver. Isso durou muito tempo mas, um dia, uma chuva torrencial destruiu completamente qualquer vestígio daquela estranha matéria. Ela simplesmente havia desaparecido junto com as águas que caíram do céu.

                Atordoado o homem soprou como pôde em galhos secos. Juntou tantas folhas que fez um enorme monte no meio da floresta. Nada disso trouxe o calor da substância de volta.

                Em um momento de fúria, já quase anoitecendo, ele atirou uma pedra com força no chão. A pedra se chocou com outra que estava no solo e, nesse momento, ele pôde ver uma pequena fração da substância surgir bailando no ar. Algo diminuto que ele sabia ser o início de uma nova possibilidade.

                Passou o resto da noite batendo nas pedras até que descobriu um tipo perfeito que, com maior facilidade, fazia aparecer as partículas da substância no ar. Fez o mesmo movimento próximo as folhas secas e, com a ajuda de seu sopro, surgiu o esplendor daquilo que buscava.

                Agora era o detentor e podia distribuir a magia onde quer que fosse, pois era capaz de transformar a matéria. Suas pedras, suas faíscas faziam surgir o fogo. 

                Muitas vezes nos apegamos a algo (trabalho, pessoas, lugares) como se fosse o motivo de nossa existência, apenas por acreditar que tal estrutura só existe por conta de nossa devoção. Isto é falso. Lembre-se que quando algo se apagar, podemos fazer surgir chamas de pequenas faíscas e construir um novo fogo dentro de nós.
               

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O SOL




Por João Oliveira

                Quando ela abriu a janela sentiu o vento quente e o cheiro das folhas secas que já estavam no solo. O calor seco invadiu o ambiente e a luz, branca absoluta, fez ferver a pele como uma adaga perfurante. Não era um dia qualquer, era o último dia de todos os seres viventes na Terra.


                Há muito que os rios deixaram de fluir e os oceanos estavam reduzidos tanto pela constante evaporação sem chuvas quanto pela utilização pelas populações que deles retiravam água para filtragem e utilização. O preço do litro de água potável, mesmo subsidiado pelos governos, era o mais alto dos itens de sobrevivência, a alimentação saudável era algo do passado remoto.


                Agora o término é certo. Todos sabem a hora exata do fim, o sol explodirá as 11 horas e 11 minutos desta quarta-feira. Os cientistas já revelaram que não há escapatória mesmo para os que se esconderam nas profundas cavernas, a radiação resultante da explosão irá pulverizar, de forma instantânea, tudo que existe até a órbita de Júpiter, provavelmente o único planeta que continuará existindo deste pequeno círculo de amizade planetária.


                Ela resolveu olhar o sol até o final. O ridículo telejornal disse que não era para olhar direto, pois isso poderia causar cegueira no momento da explosão. E o que mais haveria para ver após... melhor, quem estaria aqui para ver. Olhar direto, todos os segundos até o fim, para o elemento da natureza que fez brotar a vida neste planeta e agora se preparar para extinguir todos os seres que nela ainda habitam.


                Muitas pessoas estão dopadas neste momento e tantas outras já abreviaram a espera com altas doses de venenos. Ela, solitária na montanha, ainda olha pela janela o taciturno astro rei em seus instantes finais. Neste momento o relógio marca 11 horas.


                Algo está começando a mudar, a cor do sol está se tornando azulada e o calor começa a diminuir. Um retrocesso está se dando neste exato momento, tal qual um tsunami alerta da sua chegada causando uma espetacular maré baixa, o sol apresenta uma personalidade serena antes de soltar sua fúria final.


                Uma luz. Bilhões de anos resumidos em um forte brilho sem som.

                Agora a visão é sideral. Um flash gigantesco de uma pálida supernova que se estende em todas as direções. Visto de fora é um belo espetáculo que mais se parece com o efeito de uma pedra atirada no lago. Uma onda de luz destruidora que renova matéria, recicla existências.


                O silêncio que sempre existirá é perene no frio galáctico e o choro, de uma criança pode ser ouvido em outra parte do universo. Um planeta classe 3, onde as condições existentes permitem aos seres de base carbono constituírem uma sociedade bem similar à que existiu em outra realidade. Lá nasceu hoje uma menina cega que, em outra vida, foi capaz de assistir a morte de um rei.


                Os ciclos são grandes e pequenos. Algumas entidades vivem por minutos, outras permanecem além do que entendemos ser eternidade. Mas, em algum momento, todos deixam de existir. Isso que chamamos de morte, é uma realidade para todos e para tudo. Cada um em seu tempo próprio e, perto do fim, sempre achamos que foi pouco.

               

               

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

SOLUÇÃO

Por João Oliveira



O senhor de aparentes 50 anos bate palmas na porta da casa às 16h00 de um sábado de sol.

- Boa tarde, a senhora é Kátia Maria funcionária das Telhas Perfeição?

- Sim sou seu, pois não? – disse a mulher segurando uma criança no colo.

- Sou Carlos André da Soluções Assessoria Empreendimentos, estou aqui em nome da empresa em que a senhora trabalha. Podemos conversar um pouco?

- Sábado à tarde? O que está havendo?

- Bom senhora Kátia, estudos apontam que as melhores soluções surgem nos momentos de lazer fora do compromisso funcional. Deixe-me perguntar: quanto tempo a senhora leva para ir de sua casa até o local de trabalho?

- Às vezes até uma hora e meia, depende do trânsito vou sempre de ônibus às vezes meu marido me leva... verdade é: nunca demora menos de uma hora.

- Bom, nossa empresa fez alguns levantamentos e acreditamos que a senhora possa ir, de casa para o trabalho em, no máximo 15 minutos a pé.

- Rs, rs... como meu senhor? O senhor sabe o meu trajeto?

- Justamente minha senhora. O seu trajeto é o problema. Será que não poderia existir outro caminho?

- Claro que não... olha, tenho de pegar o ônibus ali na esquina até a avenida principal. De lá pego outro em linha reta até bairro da empresa e depois ando mais uns dez minutos até a fábrica.

- Veja, a senhora sabe que em linha reta o trajeto completo não é mais que dois quilômetros?

- E o senhor sabe do valão no meio do caminho e que só tem uma ponte lá na avenida principal?

- Justamente por isso estou aqui, para pensarmos em soluções. Posso entrar?

- Claro, me desculpe. Vou servir um café. – Disse a mulher demonstrando satisfação.

               Com mais cinco minutos de conversa e um café com bolo veio a pergunta chave da questão:

- Como a senhora acha que pode ter mais qualidade de vida economizando cerca de 40 horas por mês otimizando o tempo de suas idas e vindas ao trabalho? Isso significa que, em um ano (já fizemos as contas) a senhora terá 25 dias de tempo livre, contando com dias de 8 horas em 200 horas poupadas. Isso não é bom?

- Claro que é, mas eu não tenho um balão!

- Balão.... balão... deixe eu anotar, não chegamos a pensar nisso. No entanto, tenho outras três opções aqui já estudadas e quantificadas. Gostaria de ouvir?

- O senhor deveria ter começado por aí... –  riu.

- Longo, médio e curto prazo. Vamos começar com a solução a longo prazo. – Tirou um pacote de papel da pasta – Aqui está o projeto de uma ponte que deve ser apresentado a Secretaria de Obras do Município com cópias para todos os vereadores e o excelentíssimo senhor prefeito. Junto também estão os orçamentos de três grandes empresas de construção.

- Nossa senhora! O senhor fez tudo isso?

- Na verdade nossos profissionais. A empresa que a senhora trabalha nos contratou para aumentar a produtividade e isso passa pelo bem estar de seus funcionários. Bem, aqui estou. Agora vamos a solução de médio prazo. 

               Tomou um pouco de café, comeu mais um pedaço de bolo e continuou:

- A de médio prazo precisa de um pequeno investimento financeiro de todos os envolvidos. Na mesma posição da senhora temos outros 45 funcionários da empresa. Todos terão, pelo menos, o ganho de duas horas por dia com a construção de uma pequena ponte só para pedestres. A empresa entra com 50% e o restante, rateado entre os funcionários, terá o custo de R$ 3.500,00 que pode ser pago em 24 meses, sem juros, descontado na própria folha de pagamento. Aqui está o projeto e, se for aprovado por todos os funcionários, a pequena ponte pode ficar pronta em menos de três meses. Aqui está o pedido de autorização que deve ser feito na secretaria de obras, aqui está o termo de doação...

- Doação?

- Sim, qualquer construção feita por cima de rios, córregos ou valões, mesmo sendo financiada por particulares ou feita dentro de propriedades particulares se torna bem público.

- E a solução de curto prazo?

- Pode começar na segunda feira. – Puxou outro pacote de dentro da pasta.

- Aqui temos o telefone de todos os 45 funcionários e o do barqueiro que já está aguardando sua ligação de autorização. Funcionará assim: O barqueiro irá se posicionar no final desta esquina no local de fácil acesso a água. Dois pequenos portos de um lado e do outro do valão serão ligados por um cabo guia preso ao pequeno barco. O próprio barqueiro já conversou na prefeitura e pode começar mesmo sem a autorização oficial. Ele irá ficar o dia todo, de 06h00 às 18h00, com o barco à disposição. Só para almoçar de 11h00 às 15h00.

- Mas, mas...  e o custo? O que faço?

- Cabe a senhora ligar para todos os funcionários e cada um terá que pagar R$ 10,00 por semana direto ao barqueiro. 

- Porque o senhor me escolher para fazer isso?

- Não escolhi, a senhora é a pessoa que está mais perto do local onde irá funcionar o processo. Portanto é a maior interessada e, por isto, deve ter uma motivação extra. A empresa não pode se envolver nisso diretamente. Então... boa sorte!

- Muito obrigado, vou começar agora mesmo. Só não sei como lidar com esse novo tempo livre...

- Viva... escolha algo que pode lhe fazer feliz e faça. A Soluções Assessoria Empreendimentos agradece seu tempo. Tenho de ir para São Paulo agora, problema com falta de água.

Moral da história: na vida é preciso analisar as situações difíceis, planejar soluções e ter o comprometimento para realizar as mudanças necessárias.