O SOLDADO SEM MEDO
Por João Oliveira
Mahadevi estava nervoso. Afinal, Açoca, o poderoso imperador, não estava lhe dando a devida atenção. O avançar da hora sinalizava que ele teria de viajar na escuridão pelas terras dos Mujavats. Povo perigoso e que costumava atacar viajantes desprevenidos.
Açoca era o imperador de toda Índia. A dinastia Máuria estava no seu auge neste ano de 212 a.C. e, com certeza, a compra irá valer a pena toda essa espera de quase um dia. Pense bem: esperar pelo imperador mais poderoso da Terra não era tão ruim assim.
- Meu Rei, tenho o que há de melhor. Veja esses tecidos leves que trouxe de terras distantes - são feitos de fios gerados por vermes - ou esse pó que se parece com cúrcuma mas na verdade é uma forte pimenta do norte.
- Mahadevi o que são essas pedras?
- Meu Rei, são cristais de poder infinito que posso lhe ofertar por um valor simbólico...
A conversa e os negócios foram se alongando até que Mahadevi enfim falou:
- Meu Rei, temo viajar pelo vale após o escurecer. Mas tenho de estar em Gurapav antes do amanhecer para encontrar fornecedores.
-Medo dos Mujavats?
- Sim meu Rei, não me envergonho de reconhecer o meu temor pelos Mujavats.
- Não se preocupe. Irá lhe escoltando o meu melhor homem.
Ao dizer isso o Rei se levantou e gritou bem alto:
- Chamem o Soldado Sem Medo!
Mahadevi arregalou os olhos e perguntou quase murmurando:
- Um soldado sem medo?
- Sim, meu caro! – disse o Rei – O mais temido de todo o reino, o único homem que não tem medo de nada. Ele lhe fará escolta até Gurapav e chegará em total segurança com todos os seus pertences. Nenhum salteador Mujavat irá lhe fazer mal.
Assim ocorreu.
Cada um em seu cavalo durante quase toda a noite. Mesmo que ouvissem barulhos na floresta nenhum salteador se aproximou deles. A presença do Soldado Sem Medo fez toda diferença.
Nem era tão grande assim. Na verdade, ele tinha até um tipo físico muito comum. Mas, era a sua face fechada como uma nuvem de monção, que impunha terror a pessoas comuns.
O portão da cidadela de Gurapav estava fechado e o Soldado Sem Medo ordenou:
- Abram os portões para o mercador Mahadevi em nome de Sua Majestade Imperador Açoca!
Palavras mágicas ditas pelo homem certo.
Mahadevi desceu do cavalo, pois, não se entra montado em nenhuma fortaleza. Os guardas do portão o receberam com reverências.
Ele foi até o Soldado Sem Medo que já estava fazendo a volta com o seu cavalo.
- Me diga lá nobre Soldado Sem Medo, é real que nada teme nesse mundo?
O Soldado sem medo curvou o corpo com uma voz bem baixa disse ao mercador:
- Nada, não temo nada. Nem cobras ou elefantes, nem homens ou fantasmas e nem mesmo a doença ou a morte.
- Mas isso é espetacular. Como alcançou essa capacidade?
O Soldado Sem Medo curvou o corpo mais ainda e, no ouvido de Mahadevi, confessou:
- Eu nada tenho. Não tenho pai, mãe, mulher, filho... não tenho nem esse cavalo que é do Rei ou a cama onde durmo na estrebaria. Nada tendo, nada temo perder.
Mahadevi ficou parado com os olhos arregalados e a boca totalmente aberta enquanto o Soldado Sem Medo se afastava de volta à capital Málaga.
Já passando pelos arcos do portão Mahadevi se virou e gritou:
- E felicidade? Tem?
O Soldado Sem Medo já estava quase totalmente encoberto pela escuridão da madrugada e, sem se virar, gritou de volta:
- Também não!
Moral da história: o medo surge quando existe a possibilidade, real ou não, de perda. Óbvio que só se pode perder algo que se tem. E, pensando melhor, quem tem algo é porque assim o conquistou.
Então, fazendo as contas no ábaco, o temor é algo que pode aparecer naqueles que são capazes de conquistar. Nos que possuem vitórias na vida.
Não há muito o que pensar: além de ter é preciso
manter e confiar. Pois, o temor, pode apenas ser uma lembrança da luta antes da
conquista.
Simplificando para as mentes mais humildes do reino de Açoca: vive sem medo aquele que nada tem a perder ou aquele que confia na capacidade de manter suas conquistas.