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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A ÚLTIMA TENTAÇÃO DO DIABO


Por João Oliveira

Aposentado, vivia ele em uma pequena casa no campo junto com sua família: mulher e quinze filhos (pequenos demoniozinhos). Passava os dias pensando no quanto ele tinha sido poderoso e havia perdido espaço para maldade humana. Sem função, muitas vezes ficava lendo na frente da casa ou varrendo o quintal para passar o tempo.

- Acho que meu apogeu foi na primeira guerra mundial! Nada supera uma batalha nas trincheiras...

- Não, não... foi o Titanic... como era fácil de se aproveitar da soberba humana naquela época. Fazer com que dividissem os botes salva-vidas metade de cada lado do navio. Só um idiota para pensar que isso daria certo.

Falava ele, sozinho, enquanto segurava a vassoura com as duas mãos apoiando o pontudo queixo no cabo.

- Ô de casa! – gritou um homem no portão.

- O que é? Não vê que estou ocupado?

- Correio, seu Satã...

- Ah... deixa eu ver do que se trata! – E, pegando a carta, começou a ler o que estava escrito nela.

- Convidamos vossa senhoria para uma reunião da Hino... – Arregalou os olhos!

- Pirâmide!! – Gritou enfurecido – Marketing multinível!! Esse povo perdeu o respeito?? Fui eu quem inventou isso para construir pirâmides no Egito!! Fui eu!!! E esse povo não me teme???

- Calma seu Satã! - Disse o carteiro – Eles mandam isso para todo mundo!

- Pior!! Muito pior: Não sou todo mundo!

Virou as costas e foi se sentar num velho banquinho de madeira.

- Onde já se viu... me convidar para uma reunião armadilha de vendas... É por isso que não tenho telefone fixo em casa...

A mente do idoso demônio se revirava tentando encontrar uma resposta para o seu melancólico fim.

- Foi a internet – pensava ele – Só pode ter sido esse tal de nudez que tirou meu poder.

- Não! – Duvidava ele – Não foi isso: foi a invenção da televisão. Depois que começaram os comerciais o povo ficou mais afoito para ter as coisas e perdi o controle da maldade no mundo. Só pode ter sido isso.

- Ah! Mas também a vulgarização da minha presença – Justificava o tinhoso – Toda e qualquer igrejinha de rua cria paródias satirizando o meu poder.

- Isso não pode ficar assim! – Gritou ele para o vazio!

Andando de um lado para o outro começou a arquitetar um plano malévolo.

- Deixa eu ver aqui... não tem mais espaço para a maldade porque tem maldade de mais no mundo. O velho barbudo perdeu o controle também e nem quer mais saber desse mundo. Eu, estou por aqui e ainda posso atuar...

- Mas, como? Como posso reverter as coisas...

Num súbito uma epifania ocorreu! Como se um anjo do céu tivesse tocado uma trombeta em seu ouvido direito ele gritou:

- Akerue! – que é eureka ao contrário.

Foi o primeiro sorriso largo que ele deu desde o dia 6 de agosto de 1945 às 8h15 da manhã quando o Enola Gay abriu as comportas para deixar Little Boy cair, sobre Hiroshima, no Japão.

– Já sei o que fazer! Vou espalhar a bondade! Isso mesmo! Vou fazer com que as pessoas se tornem boas e, quando elas estiverem todas santificadas, volto a fazer o meu serviço de maldades trabalhando intensamente cada segundo! Para mim o tempo não importa mesmo! Vou começar amanhã de manhã!

Começou a dançar sobre suas patas com cascos de bode como um desenho animado sem ossos. Suas pernas e braços giravam em todas as direções sob a cadência de uma música imaginária.

- Está fazendo o quê sua besta? – Uma voz feminina grita na janela.

- Amor! – fala docemente o coisa ruim – Tive uma ideia: vou voltar a trabalhar!

- É vai fazer o que sua besta? Vai apagar o sol de novo? Olha a dor na coluna que você sente quando faz frio... Deixa de vagabundear e vai no mercado para mim, compre enxofre que estou fazendo o jantar!

- Manda um dos demoniozinhos. Não vê que estou ocupado pensando?

- Larga de ser vagabundo. As crianças estão quietinhas vendo o jogo do Flamengo na tv (leia-se Corinthians se estiver em São Paulo).

- Não vou não! Não sou seu escravo! – Se rebelou Satã.

- Vai ficar sem jantar então. Eu me viro com as crianças e você vai jantar na rua, se quiser, para largar de ser preguiçoso.

Nesse ponto, amigo leitor (não escrevo leitora porque, lendo rapidamente, algumas pessoas entendem como sendo *leitoa*), você já se deu conta que a última tentação do Demônio foi ter se casado com a pessoa errada tal qual a música sofrência propõe.

- Para de dançar sua besta inútil vai no mercado antes do apocalipse!

Caso sua esposa o incentivasse ele poderia ser qualquer coisa além de um velho rabugento que vive do passado. Uma boa pessoa, ao seu lado, pode ajudar muito a direcionar projetos.

Então, querido leitão (está escrito *leitor* tenha certeza disso e pare de ler rápido assim), saiba escolher o seu cônjuge muito bem. Ele (ou ela) será sua lente de aumento para suas capacidades ou deficiências.

- Ou não? - Pensou ele finalmente – Deixo as coisas como estão. Em algum momento eles se matam todos e começamos o mundo de novo. Tomara que, da próxima vez, sejam três no paraíso... aí já começo a bagunçar na raiz sexual do problema.

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