Por João Oliveira
O barco seguia rio acima com o
barqueiro e um menino a bordo.
- Já estamos quase chegando, veja
quantos personagens você já pode ver nas margens. – Disse o barqueiro enquanto
manuseava, na popa da embarcação, um
grande remo traçando o número oito no ar e girando levemente em seu próprio eixo.
- Já lhe disse que não faço parte
disso, sou apenas um menino perdido... –
ao falar isso o menino foi abruptamente interrompido pelo barqueiro.
- E sem memória – continuou –
Esta é uma característica comum em todos os personagens que saem deste lugar:
perdem a memória e se esquecem de quem são verdadeiramente.
- Olá! – disse uma pequena
tartaruga tentando subir pelo lado esquerdo do barco – Você viu o meu pai por
aí? Me perdi dele e estou com muito medo. Você pode me levar para casa?
- Desça já deste barco. – Gritou
o barqueiro – Vá continuar a sua história em outro lugar. Já temos problemas
demais por aqui.
- O que é isso? – Exclamou o
jovem – Vamos ajudar o filhote de tartaruga... que mal há nisso?
- Todo! Cada um tem a sua
história e não podemos nos envolver nas aventuras dos outros, podemos estar
estragando todo fundo moral da metáfora.
- Como? – Disseram ao mesmo tempo
a pequena tartaruga e o menino.
- Você ainda está aí – Gritou o
velho batendo com o remo na cabeça da tartaruga que caiu do volta na água.
- Olhe senhor barqueiro! Tem um
monte de pessoas de verdade deste lado do rio.
- Sim, isso mesmo meu jovem. Do
lado direito são os personagens humanos e do lado esquerdo os caricaturados e
animais falantes. Essas coisas não se misturam. – continuou – Você pertence ao
lado direito, pois é completamente humano.
- E o senhor? De que lado é?
- Não tenho essas qualidades...
sou apenas o que leva e traz personagens perdidos pelo rio. Gente como você que
não sabe onde se encaixar.
- Mas eu não sou daqui... tenho
certeza: não pertenço a nenhuma história pronta.
- Ah! Pertence sim. A historia já
está pronta só você não sabe disso. Espere um pouco.. pelos seus traços acho
que sei de onde foi que saiu. Você me parece muito com um príncipe... deve ser
o filho mais velho dele.
- Eu? – falou o menino – Filho de
um príncipe?
- É, mas nem se alegre muito,
geralmente existe uma maldição, uma guerra, um dragão... em todas as
trajetórias dos personagens sempre existem muito mais problemas do que
soluções. Na verdade, as boas histórias possuem mais desafios que os enredos
comuns e as vitórias nem sempre ocorrem quando o herói deseja.
- Então, me deixe voltar de onde
me pegou. Deve ser por isso que eu estava tão longe, quase chegando em outro
reino.
- Não posso! Meu nome de fato é Destino
e, por mais que você tente fugir, sou obrigado a traçar um caminho de volta
para manter o rumo da história principal. Esse é o meu papel.
- Mas, não tem graça nenhuma nisso.
- Não sei, ainda não vi o final
de sua história. Pode ser que tenha...
Nosso barco continua seguindo,
rio acima, com um barqueiro para cada um de nós com nossa alma de eterna
criança a bordo. Sua história está desenhada, cabe a nós colocarmos cores,
movimentos, personagens... escolhas.
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