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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A JOIA DA VERDADE





Por João Oliveira

                O Sultão andava de um lado para o outro na torre de observação sempre mirando a linha do horizonte no deserto. O mercador que estava trazendo a Joia Da Verdade já demorava cinco dias além do prazo estipulado. Não era medo de perder o valor pago que o deixava assim, era a ansiedade por ter as perguntas respondidas.

                A Joia da Verdade sempre responde três perguntas ao seu novo dono, depois disto ela se silencia para sempre para esta pessoa. O dono, que já teve suas perguntas respondidas, pode então vender a joia mas, não sem antes, fazer um elaborado ritual de entrega.

                Ocorre que a joia deve ser embrulhada na primeira noite do Ramadã e entregue ao novo dono antes que este período de jejum se encerre. Assim, o novo dono, terá de abrir a caixa da joia na primeira noite de lua cheia após o ramadã e, que com as duas mãos segurando a joia sob o luar à meia noite, proferir as perguntas.

                Agora uma caravana surgia ao longe. O Sultão Abhir Kabar Uslan sorriu pela primeira vez em muitos dias. Seu nervosismo tinha lugar, pois hoje será a primeira noite de lua cheia e, caso não pudesse abrir a joia nesta noite, deveria esperar por mais um ano para obter suas respostas.

                Uma grande festa se deu no palácio, a ansiedade pelo momento certo estava tornando cada segundo quase insuportável. Já com a caixa nas mãos o Sultão subiu até a mais alta torre de seu palácio e, sob o luar perfeito abriu a caixa.

                A joia estava acomodada em um pequeno travesseiro de cor vermelha o que aumentava seu brilho alaranjado. Ele, com muita cautela, ergueu com as duas mãos a pedra acima da cabeça e gritou:

- Quando irei morrer?

                O que ocorreu em seguida só sabemos por se tratar de uma história contada muitas vezes entre os povos árabes, pois ninguém que estava ao lado do Sultão realmente ouviu algo. A voz sensual de uma mulher ecoou apenas dentro da cabeça daquele homem e as palavras lhe disseram:

- Todos os dias, um pouco- E ficou em silêncio.

                A resposta não era exatamente o que o Sultão esperava e após ficar alguns segundos pensativo fez a segunda pergunta.

- Como posso ser ainda mais rico?

                Quase imediatamente a voz soou dentro de sua cabeça como um trovão.

- Valorizando as coisas que não possuem preço.

                O Sultão abaixou os braços e olhando a joia entendeu que tudo de mais precioso nunca lhe custou uma única moeda. Pensou em seus filhos, nas suas esposas, em suas refeições, nos amigos queridos... isso demorou alguns minutos até que ele levantou novamente a joia para fazer a pergunta final.

- Me diga ó joia da sabedoria universal. Qual o segredo de maior valor que devo saber para viver melhor, sem aborrecimentos ou ressentimentos, entre os seres humanos! O que devo saber, joia misericordiosa, para ser feliz todos os dias na minha vida!

                O silêncio se fez na cabeça do Sultão. Alguns instantes apenas que lhe fizeram se sentir abandonado por completo. Enfim, a joia respondeu:

- Não espere nada de ninguém. Ouça a todos sem contestar. Jamais responda uma pergunta que não foi feita e sempre prefira o silêncio às palavras não pensadas.

                Dito isto a joia perdeu sua cor e se emudeceu por completo. Ficou branca e só tornará a ter cor diante de um novo proprietário sedento por suas sábias respostas.

                Tenho certeza que você gostaria de ser o novo proprietário desta joia. Acredite, você já a possui, se chama consciência. Todas as respostas estão aí dentro de você, apenas ouça. Para isto é necessário que você faça silêncio e perceba essa voz que ecoa no seu ser.
               

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

VÍRUS KM 137




          Por João Oliveira
     
                Ninguém poderia dizer de onde surgiu este vírus. Mesmo hoje, no ano de 2172 alguns ainda falam que deve ter chegado à Terra em um meteorito que caiu na lá pelos lados da Oceania. Fato é que seus efeitos na humanidade jamais serão revertidos. Já se passaram cinquenta anos desde do primeiro infectado ser descoberto e, até hoje, não existe uma cura plena para este mal ainda absolutamente terrível.

                Devemos lembrar que nos primeiros momentos os infectados eram dados como desaparecidos porque desapareciam dos olhos normais. A alteração metabólica que acelerava as células também tornava todos os infectados virtualmente invisíveis já que seus movimentos mais lentos chegavam a 137 Km por hora.  Ultra rápidos qualquer tentativa de ficar parado em um só lugar somente criava convulsões. Só os corpos eram encontrados após o tempo máximo de vida (de alguns minutos a, no máximo, três dias) de qualquer pessoa que tivesse contato com o vírus nos primeiros anos.

                O envelhecimento celular ocorria (ainda ocorre, mas agora sob maior controle) de forma assustadora levando ao doente a uma falência múltipla dos órgãos em algumas horas. Lógico que isso também depende muito da idade da pessoa no momento da infecção. Um jovem poderia sobreviver por 72 horas, os idosos, no entanto, vão a óbito em minutos se não medicados imediatamente.

                Com o surgimento das drogas de controle os infectados, agora, podem quase viver normalmente. A química consegue desacelerar o ciclo celular e, embora não destrua o vírus, permite uma longevidade quase normal aos infectados. Não há cura (esqueça isso) temos controle.

                Mesmo com todos os cuidados para evitar áreas onde o vírus ainda está ativo ou medicamentos que fortalecem o sistema imunológico ainda estamos sob a praga do vírus KM 137 e, todos os dias, vemos mais e mais pessoas adentrando o sistema de tratamento mundial que foi criado especificamente para esta doença.

                O que mudou em nossa sociedade com este vírus? Podia-se pensar que a doença sempre é ruim e que pode destruir uma civilização. Não foi exatamente isto que ocorreu com nossa espécie: aprendemos a aproveitar o melhor da situação.

                Uma pessoa, no ritmo da infecção, dentro da medicação pode escolher produzir muito em sua área e finalizar projetos que antes seria impossível mesmo se vivesse muitos anos. A velocidade é tal que prédios são erguidos em poucos dias e, verdadeiras enciclopédias são escritas por uma só pessoa. Assim estamos avançando quando virtuosos escolhem produzir a viver muito.

                Outra particularidade é a impossibilidade de dormir. Mesmo sob o controle medicamentoso nenhum doente dorme e, apenas isso, já dobra a capacidade produtiva. Acredito que a humanidade avançou muito com o surgimento do KM 137.

                Uma corrente politica quer alterar o que já é comum. Proibir que as pessoas parem de se medicar para se aproveitarem da velocidade no mercado de trabalho. Os “normais” – não infectados – formam uma dura corrente que tende ao protecionismo da chamada normalidade. Eu não sou infectado, nem gostaria de ser, mas defendo o direito de alguém que abre mão do seu tempo de vida para deixar um legado pela sua produção.

                Realmente é algo para se pensar em qualquer nível. Como podemos diferenciar o que é viver? Sim, pois tantas e tantas pessoas existem e, em algum tempo se vão, deixando apenas lembranças e, tantas outras, se permitem a deixar algo mais. Algo que ficará além da própria existência. Se fosse possível a você escolher viver muito e não produzir nada ou, viver menos e construir algo que sobreviva sendo útil aos seus semelhantes, o que escolheria?

                Pensar sobre isso, sem pudor de escolher o que quiser, já nos permite entender os que deixam de partilhar seu tempo de vida com seus familiares para focar no trabalho ou, ao contrário, ver pessoas felizes sem nunca terem feito além do necessário para continuar existindo.

Os infectados têm escolhas também. Se medicados todos os dias podem chegar aos 80 anos é uma estimativa baixa perto da média atual de 130 anos mas, parando de tomar seus remédios para produzir, em alguns momentos, reduzem ainda mais drasticamente este período de vida. Sabemos de pintores que produziram centenas de quadros e faleceram em menos de uma semana numa escola de artes de Florença na Itália.

                Quem sabe não haja necessidade de uma única escolha? Quem sabe podemos fazer as duas coisas, cada qual em seu tempo ou período de vida? 

                Apenas um detalhe é realmente importante: antes de decidir o que fazer com o seu tempo de vida, descubra o que é viver para você.
               

O Peixe Voador




 Por João Oliveira

                No universo dos peixes o oceano é a única realidade. O peixe voador queria mais e por isso se lançou além da lâmina d’água alcançando o ar acima de todos os outros seres aquáticos. Não se trata de um salto apenas, e sim de um panorâmico voo que lhe permite vislumbrar, por alguns momentos, o mundo dos que respiram sem guelras.

                Este singular fato colocou o peixe-voador em uma posição de prestígio em seu meio social aquático. Disso ele falava todo o tempo como uma vantagem além da própria existência.

- O golfinho, o Salmão, a Tainha também saltam acima do mar! – Disse um humilde Peixe Palhaço.

- Disse-o  bem! – respondeu um orgulhoso exemplar de peixe-voador – Saltam! Nós plainamos isso é bem diferente...

                Neste ponto da discussão o silêncio sempre imperava. Por mais que todos pudessem pular fora d’água só o peixe-voador podia “voar” quase como os pássaros.

                Um belo dia o peixe-voador estava próximo à costa quando, de surpresa, foi atacado por uma ave: dentro do mar! Isto o deixou perplexo! Como uma ave pode mergulhar, fora do seu universo e ainda caçar seu alimento?

                Estava diante da gaivota, uma ave que, assim como ele, também se aventurava além dos limites do seu ambiente natural.

                A gaivota entra na água, mergulha fundo e busca seu alimento se movimentando – muitas vezes – melhor e mais rápido que sua vítima. Claro, se contrário fosse ela morreria de fome.

                Agora o peixe-voador não era mais a espécie mais interessante dos oceanos e dos ares. Havia outra que compartilhava os dois mundos com igual intensidade. Embora cada um mantivesse seu reino de domínio preferencial podiam desfrutar do outro com naturalidade.

                Abatido com a recente descoberta, mas ainda mantendo a autoestima elevada, o peixe-voador mudou seu tom de excelência e passou a ser mais humilde com os outros seres, de seu ambiente, que não possuíam dotes similares ao seu.

                Ocorre que no meio humano também encontramos situações bem similares a essa vivida, neste curto texto, sobre habilidades alcançadas pela evolução das espécies. 

                Um grupo de pessoas pode estar se lançando em mundos diferentes, além do horizonte conhecido de seus pares, isso traz uma grande satisfação e vontade de partilhar novas informações. No entanto, pense bem, isso pode não ser bem recebido por quem nunca foi além de suas próprias fronteiras. Também é bom pensar que, por mais que possamos ir para cima, existe sempre alguém que voa muito mais alto e que, só podemos perceber sua existência, quando mergulha em nosso campo de visão. 

                A única vantagem do olhar pós muro é tomar conhecimento de nossas limitações e, com determinação (alguns chamam de sorte),  poder usar essas informações para novas tomadas de decisões em nossas vidas. 

                Nem todos os peixes saltam e nem todas as aves mergulham. Alguns preferem ficar em seu meio e dele extrair o melhor para si. Não há nada de errado nisso. Assim como, também é interessante observar como existem criaturas dispostas a arriscar tudo só para ter uma oportunidade diferente em suas vidas: devemos respeitar isso da mesma forma.

                Aventureiros ou extremamente seguros somos uma espécie diversificada em modos de viver e costumes sociais. Assim sendo, sempre haverá espaço para prospecção de algo além do nosso modo de ser.