Por João Oliveira
Ninguém
poderia dizer de onde surgiu este vírus. Mesmo hoje, no ano de 2172 alguns ainda
falam que deve ter chegado à Terra em um meteorito que caiu na lá pelos lados
da Oceania. Fato é que seus efeitos na humanidade jamais serão revertidos. Já
se passaram cinquenta anos desde do primeiro infectado ser descoberto e, até
hoje, não existe uma cura plena para este mal ainda absolutamente terrível.
Devemos
lembrar que nos primeiros momentos os infectados eram dados como desaparecidos
porque desapareciam dos olhos normais. A alteração metabólica que acelerava as
células também tornava todos os infectados virtualmente invisíveis já que seus
movimentos mais lentos chegavam a 137 Km por hora. Ultra rápidos qualquer tentativa de ficar
parado em um só lugar somente criava convulsões. Só os corpos eram encontrados
após o tempo máximo de vida (de alguns minutos a, no máximo, três dias) de
qualquer pessoa que tivesse contato com o vírus nos primeiros anos.
O
envelhecimento celular ocorria (ainda ocorre, mas agora sob maior controle) de
forma assustadora levando ao doente a uma falência múltipla dos órgãos em
algumas horas. Lógico que isso também depende muito da idade da pessoa no
momento da infecção. Um jovem poderia sobreviver por 72 horas, os idosos, no
entanto, vão a óbito em minutos se não medicados imediatamente.
Com
o surgimento das drogas de controle os infectados, agora, podem quase viver
normalmente. A química consegue desacelerar o ciclo celular e, embora não destrua
o vírus, permite uma longevidade quase normal aos infectados. Não há cura
(esqueça isso) temos controle.
Mesmo
com todos os cuidados para evitar áreas onde o vírus ainda está ativo ou
medicamentos que fortalecem o sistema imunológico ainda estamos sob a praga do
vírus KM 137 e, todos os dias, vemos mais e mais pessoas adentrando o sistema
de tratamento mundial que foi criado especificamente para esta doença.
O
que mudou em nossa sociedade com este vírus? Podia-se pensar que a doença
sempre é ruim e que pode destruir uma civilização. Não foi exatamente isto que
ocorreu com nossa espécie: aprendemos a aproveitar o melhor da situação.
Uma
pessoa, no ritmo da infecção, dentro da medicação pode escolher produzir muito
em sua área e finalizar projetos que antes seria impossível mesmo se vivesse
muitos anos. A velocidade é tal que prédios são erguidos em poucos dias e,
verdadeiras enciclopédias são escritas por uma só pessoa. Assim estamos
avançando quando virtuosos escolhem produzir a viver muito.
Outra
particularidade é a impossibilidade de dormir. Mesmo sob o controle medicamentoso
nenhum doente dorme e, apenas isso, já dobra a capacidade produtiva. Acredito
que a humanidade avançou muito com o surgimento do KM 137.
Uma
corrente politica quer alterar o que já é comum. Proibir que as pessoas parem
de se medicar para se aproveitarem da velocidade no mercado de trabalho. Os
“normais” – não infectados – formam uma dura corrente que tende ao
protecionismo da chamada normalidade. Eu não sou infectado, nem gostaria de
ser, mas defendo o direito de alguém que abre mão do seu tempo de vida para
deixar um legado pela sua produção.
Realmente
é algo para se pensar em qualquer nível. Como podemos diferenciar o que é
viver? Sim, pois tantas e tantas pessoas existem e, em algum tempo se vão,
deixando apenas lembranças e, tantas outras, se permitem a deixar algo mais.
Algo que ficará além da própria existência. Se fosse possível a você escolher
viver muito e não produzir nada ou, viver menos e construir algo que sobreviva
sendo útil aos seus semelhantes, o que escolheria?
Pensar
sobre isso, sem pudor de escolher o que quiser, já nos permite entender os que
deixam de partilhar seu tempo de vida com seus familiares para focar no
trabalho ou, ao contrário, ver pessoas felizes sem nunca terem feito além do
necessário para continuar existindo.
Os infectados
têm escolhas também. Se medicados todos os dias podem chegar aos 80 anos é uma
estimativa baixa perto da média atual de 130 anos mas, parando de tomar seus
remédios para produzir, em alguns momentos, reduzem ainda mais drasticamente
este período de vida. Sabemos de pintores que produziram centenas de quadros e
faleceram em menos de uma semana numa escola de artes de Florença na Itália.
Quem
sabe não haja necessidade de uma única escolha? Quem sabe podemos fazer as duas
coisas, cada qual em seu tempo ou período de vida?
Apenas
um detalhe é realmente importante: antes de decidir o que fazer com o seu tempo
de vida, descubra o que é viver para você.