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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

VÍRUS KM 137




          Por João Oliveira
     
                Ninguém poderia dizer de onde surgiu este vírus. Mesmo hoje, no ano de 2172 alguns ainda falam que deve ter chegado à Terra em um meteorito que caiu na lá pelos lados da Oceania. Fato é que seus efeitos na humanidade jamais serão revertidos. Já se passaram cinquenta anos desde do primeiro infectado ser descoberto e, até hoje, não existe uma cura plena para este mal ainda absolutamente terrível.

                Devemos lembrar que nos primeiros momentos os infectados eram dados como desaparecidos porque desapareciam dos olhos normais. A alteração metabólica que acelerava as células também tornava todos os infectados virtualmente invisíveis já que seus movimentos mais lentos chegavam a 137 Km por hora.  Ultra rápidos qualquer tentativa de ficar parado em um só lugar somente criava convulsões. Só os corpos eram encontrados após o tempo máximo de vida (de alguns minutos a, no máximo, três dias) de qualquer pessoa que tivesse contato com o vírus nos primeiros anos.

                O envelhecimento celular ocorria (ainda ocorre, mas agora sob maior controle) de forma assustadora levando ao doente a uma falência múltipla dos órgãos em algumas horas. Lógico que isso também depende muito da idade da pessoa no momento da infecção. Um jovem poderia sobreviver por 72 horas, os idosos, no entanto, vão a óbito em minutos se não medicados imediatamente.

                Com o surgimento das drogas de controle os infectados, agora, podem quase viver normalmente. A química consegue desacelerar o ciclo celular e, embora não destrua o vírus, permite uma longevidade quase normal aos infectados. Não há cura (esqueça isso) temos controle.

                Mesmo com todos os cuidados para evitar áreas onde o vírus ainda está ativo ou medicamentos que fortalecem o sistema imunológico ainda estamos sob a praga do vírus KM 137 e, todos os dias, vemos mais e mais pessoas adentrando o sistema de tratamento mundial que foi criado especificamente para esta doença.

                O que mudou em nossa sociedade com este vírus? Podia-se pensar que a doença sempre é ruim e que pode destruir uma civilização. Não foi exatamente isto que ocorreu com nossa espécie: aprendemos a aproveitar o melhor da situação.

                Uma pessoa, no ritmo da infecção, dentro da medicação pode escolher produzir muito em sua área e finalizar projetos que antes seria impossível mesmo se vivesse muitos anos. A velocidade é tal que prédios são erguidos em poucos dias e, verdadeiras enciclopédias são escritas por uma só pessoa. Assim estamos avançando quando virtuosos escolhem produzir a viver muito.

                Outra particularidade é a impossibilidade de dormir. Mesmo sob o controle medicamentoso nenhum doente dorme e, apenas isso, já dobra a capacidade produtiva. Acredito que a humanidade avançou muito com o surgimento do KM 137.

                Uma corrente politica quer alterar o que já é comum. Proibir que as pessoas parem de se medicar para se aproveitarem da velocidade no mercado de trabalho. Os “normais” – não infectados – formam uma dura corrente que tende ao protecionismo da chamada normalidade. Eu não sou infectado, nem gostaria de ser, mas defendo o direito de alguém que abre mão do seu tempo de vida para deixar um legado pela sua produção.

                Realmente é algo para se pensar em qualquer nível. Como podemos diferenciar o que é viver? Sim, pois tantas e tantas pessoas existem e, em algum tempo se vão, deixando apenas lembranças e, tantas outras, se permitem a deixar algo mais. Algo que ficará além da própria existência. Se fosse possível a você escolher viver muito e não produzir nada ou, viver menos e construir algo que sobreviva sendo útil aos seus semelhantes, o que escolheria?

                Pensar sobre isso, sem pudor de escolher o que quiser, já nos permite entender os que deixam de partilhar seu tempo de vida com seus familiares para focar no trabalho ou, ao contrário, ver pessoas felizes sem nunca terem feito além do necessário para continuar existindo.

Os infectados têm escolhas também. Se medicados todos os dias podem chegar aos 80 anos é uma estimativa baixa perto da média atual de 130 anos mas, parando de tomar seus remédios para produzir, em alguns momentos, reduzem ainda mais drasticamente este período de vida. Sabemos de pintores que produziram centenas de quadros e faleceram em menos de uma semana numa escola de artes de Florença na Itália.

                Quem sabe não haja necessidade de uma única escolha? Quem sabe podemos fazer as duas coisas, cada qual em seu tempo ou período de vida? 

                Apenas um detalhe é realmente importante: antes de decidir o que fazer com o seu tempo de vida, descubra o que é viver para você.
               

O Peixe Voador




 Por João Oliveira

                No universo dos peixes o oceano é a única realidade. O peixe voador queria mais e por isso se lançou além da lâmina d’água alcançando o ar acima de todos os outros seres aquáticos. Não se trata de um salto apenas, e sim de um panorâmico voo que lhe permite vislumbrar, por alguns momentos, o mundo dos que respiram sem guelras.

                Este singular fato colocou o peixe-voador em uma posição de prestígio em seu meio social aquático. Disso ele falava todo o tempo como uma vantagem além da própria existência.

- O golfinho, o Salmão, a Tainha também saltam acima do mar! – Disse um humilde Peixe Palhaço.

- Disse-o  bem! – respondeu um orgulhoso exemplar de peixe-voador – Saltam! Nós plainamos isso é bem diferente...

                Neste ponto da discussão o silêncio sempre imperava. Por mais que todos pudessem pular fora d’água só o peixe-voador podia “voar” quase como os pássaros.

                Um belo dia o peixe-voador estava próximo à costa quando, de surpresa, foi atacado por uma ave: dentro do mar! Isto o deixou perplexo! Como uma ave pode mergulhar, fora do seu universo e ainda caçar seu alimento?

                Estava diante da gaivota, uma ave que, assim como ele, também se aventurava além dos limites do seu ambiente natural.

                A gaivota entra na água, mergulha fundo e busca seu alimento se movimentando – muitas vezes – melhor e mais rápido que sua vítima. Claro, se contrário fosse ela morreria de fome.

                Agora o peixe-voador não era mais a espécie mais interessante dos oceanos e dos ares. Havia outra que compartilhava os dois mundos com igual intensidade. Embora cada um mantivesse seu reino de domínio preferencial podiam desfrutar do outro com naturalidade.

                Abatido com a recente descoberta, mas ainda mantendo a autoestima elevada, o peixe-voador mudou seu tom de excelência e passou a ser mais humilde com os outros seres, de seu ambiente, que não possuíam dotes similares ao seu.

                Ocorre que no meio humano também encontramos situações bem similares a essa vivida, neste curto texto, sobre habilidades alcançadas pela evolução das espécies. 

                Um grupo de pessoas pode estar se lançando em mundos diferentes, além do horizonte conhecido de seus pares, isso traz uma grande satisfação e vontade de partilhar novas informações. No entanto, pense bem, isso pode não ser bem recebido por quem nunca foi além de suas próprias fronteiras. Também é bom pensar que, por mais que possamos ir para cima, existe sempre alguém que voa muito mais alto e que, só podemos perceber sua existência, quando mergulha em nosso campo de visão. 

                A única vantagem do olhar pós muro é tomar conhecimento de nossas limitações e, com determinação (alguns chamam de sorte),  poder usar essas informações para novas tomadas de decisões em nossas vidas. 

                Nem todos os peixes saltam e nem todas as aves mergulham. Alguns preferem ficar em seu meio e dele extrair o melhor para si. Não há nada de errado nisso. Assim como, também é interessante observar como existem criaturas dispostas a arriscar tudo só para ter uma oportunidade diferente em suas vidas: devemos respeitar isso da mesma forma.

                Aventureiros ou extremamente seguros somos uma espécie diversificada em modos de viver e costumes sociais. Assim sendo, sempre haverá espaço para prospecção de algo além do nosso modo de ser.
               

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Matei um homem





        Por João Oliveira        


                Meu nome é Alexandro e devo lhe contar uma coisa. Um evento muito sério... vou dizer toda a verdade, afinal, ele me fazia muito mal. Hoje não seria capaz de dividir a mesa do jantar com ele em nenhuma ocasião. Fiz bem em destruir sua existência.       

                Agora que ele se foi posso me sentir mais livre e feliz. Sumiu de mim toda inquietação que sempre me provocava. Muito passional, ele levantava questões especulativas sobre todos ao seu redor e, por conta disto, vivia em um mundo de medo e ansiedade constante, quase um psicótico.

Não era boa companhia para ninguém, não construiu amizades sólidas e, ao contrário, conseguiu impedir o surgimento de várias possibilidades de relacionamentos duradouros. Afinal, abusar dos sentimentos dos outros era sua melhor especialidade.

Agora que está morto, por minhas próprias mãos, o mundo é um lugar melhor. Principalmente para mim e, tenha certeza do que vou lhe dizer, devia tê-lo matado muito antes. 

Antes que você me condene, deixe-me esclarecer alguns pontos:

1)      Ele estava destruindo, por completo, minha capacidade de raciocínio.
2)      Seus hábitos poderiam me matar em algum tempo.
3)      Nunca me ajudou a crescer, muito pelo contrário, sempre atrapalhava tudo com seu comportamento inadequado.

O homem que matei tem o mesmo nome e cpf que eu, no entanto era outra pessoa completamente diferente. Você faria o mesmo, se é que já não fez e ainda não se deu conta: extirpou parte de você que prejudicava sua vida.

Sabe, isso funciona como uma nova posição de ver o mundo: como se você estivesse sobre a montanha vendo, agora, as grandes casas que você admirava muito pequenas lá embaixo. O problema é que ainda existe uma sombra, sua, pairando por onde você caminhou.

São as pegadas de outro homem que habitava seu corpo. Uma identidade diferente que podia agir de uma forma abominável para os seus princípios atuais. Claro que ele pode te assombrar em pesadelos noturnos e, o melhor que pode ser feito neste momento, é matar, por completo, cada estrutura ruim deste ser antigo que ainda habita sua mente.

Não me olhe assim. Nem tudo nele estava perdido (ainda bem) muitas coisas foram excelentes em seu tempo e, graças a estes passos, pude ver o diferencial de escolhas. Realmente sei o que pensa, você se orgulha de tudo que vez em sua vida. Que bom! Isso deve ser porque eu tenho boa memória dos meus atos e consigo julgar a mim mesmo antes de avaliar a ética de outras pessoas.

Está morto! Falar disso me causa uma sensação de livre arbítrio como nunca tive antes. Tomei a decisão, olhei para a meta final e sigo caminhando. Nem sei porque motivo você elenca este assunto agora. Deixe isso no passado. Já confessei meu crime. O que tenho de pagar?

Entendo... então estarei condenado a viver com ele dentro de mim mesmo que ele não possa se manifestar em momento algum. Ele será memória. Fator importante para manter o rumo centrado a cada novo momento desafiador.

Saber reconhecer suas falhas pode ser o fator mais importante para o crescimento pessoal. Entretanto, não é possível matar parte de você como se fosse um jornal velho que queimamos no quintal. Sempre haverá lembrança dos erros e isso pode ser o guia para os acertos futuros.