"Aprendi
através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la
como o calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode ser
convertida numa força capaz de mover o mundo." MAHATMA GANDHI
Muito
já foi dito sobre as emoções ao longo das eras e, com certeza, algumas definições
têm sido nominadas como melhores e outras como piores. A palavra emoção deriva do latim movere (por em movimento). Isso nos fala
da sua natureza de colocar em movimento, de dentro para fora, comunicando ao
mundo nossos estados de necessidades internas. Todas, então, seriam úteis e por
isso foram mantidas no processo evolucionário da raça humana. Lógico que
algumas perderam sua função original e se adaptaram, como puderam, à nova
realidade da civilização moderna. Afinal, não precisamos mais correr de leões
ou matar animais para nossa alimentação. Mas o sistema de luta e fuga continua
ativo.
O
homem modernizou a sua estrutura social. No entanto, internamente, em seus
processos somáticos, ainda é praticamente o mesmo do tempo das cavernas.
Basicamente, estamos preparados para caçar e reproduzir, o resto foi se
acumulando ao longo dos milhares de anos e reflete no que somos hoje: criaturas
com respostas emocionais às diversas situações nas quais, às vezes, certas
manifestações não seriam necessárias ou, ainda, surgem em dimensões
desproporcionais à situação vivida. Caso duvide disto, pergunte a quem tem
síndrome do pânico ou algum tipo de fobia.
Sempre buscamos diferenciar as emoções uma das
outras e tentamos associar, relacionando as sensações orgânicas com a situação
onde estamos envolvidos, fazendo uma ligação direta entre o fato, nossa
interpretação do mesmo e o que sentimos. Além das diversas interpretações
diferentes que cada um de nós pode dar às situações semelhantes, ainda existe a
intensidade da emoção, às vezes forte demais e, outras vezes, nem são
percebidas adequadamente.
É
fato que não sabemos nominar nossas emoções, estamos sempre confundindo o que
sentimos. As emoções, na
visão dos poetas, fazem do ser, um Humano, mas a realidade é que elas podem
atrapalhar, e muito, aqueles que não conseguem detectar seus próprios estados
emocionais.
No
ano de 1924, Maranon, neurocientista francês (citado por Richard Restak em O
Cérebro Humano, pág. 141) injetou adrenalina em 210 indivíduos, o que fez
surgir sensações fisiológicas em todos eles. Quando o experimentador, de
maneira indutiva, contava uma história qualquer com fundo emocional, fazia
brotar no sujeito a emoção sugerida no texto. Graças ao efeito da adrenalina, a
emoção surgia forte. Desta forma ele fez "aparecer" todas as nuances
das emoções humanas apenas contando diferentes histórias. Esta experiência foi
repetida na década de 1960, com algumas alterações de modelo operacional, mas
com resultado similar, por Stanley Scharter e Jerome Singer.
Com
a mesma base química, mas com interpretações pessoais diferentes das histórias
contadas, o significado individual fez surgir emoções que mais se alinhavam com
a perspectiva do indivíduo! Podemos inferir, então, que, tecnicamente, seriam,
basicamente, as mesmas reações somáticas que originam as emoções, apenas os nomes
dados pelos sujeitos que as vivenciavam é que são diferentes por conta de suas
expectativas ou interpretações do contexto.
Nos dias
atuais, a complexidade da origem das emoções é debatida ao extremo e nada está
totalmente descartado. Alguns defendem a ideia de quatro emoções básicas,
outros de seis estados emocionais naturais. Este exemplo é puramente
ilustrativo para que não percamos de vista a possibilidade de estarmos dando
nomes diversos aos mesmos bois.
Podemos
então acreditar que muitas das emoções que sentimos, ou nominamos, têm sua
origem na mesma fórmula química endócrina? Seremos então escravos de hormônios
e neurotransmissores? Isso nos dá inclusive, bons argumentos para pensar com
cuidado sobre como devemos reagir na próxima fez em que estivermos sob forte
emoção. Afinal se a emoção tem a sua forma dada pela interpretação da história
contada, se ressignificarmos o conteúdo, mesmo sem alterar a base química, podemos
alcançar um novo estado emocional!
Isso pode soar apenas como teoria para alguns, pois, a pratica não deve ser tão fácil. A maioria das pessoas não consegue perceber quando está entrando em um estado emocional alterado. “Sob forte emoção estamos sempre certos!”. Todos pensam assim?
Desta
pequena abertura podemos passar a qualificar as emoções básicas que, segundo os
estudos do psicólogo americano Paul Ekman, são seis. Tratamos de emoções naturais,
aquelas percebidas em todos os humanos com o mesmo código facial de expressão
muscular, porém, guardando diferenças quanto aos motivos culturais para suas
manifestações: o que faz rir um oriental pode fazer chorar um ocidental, por
assim dizer.
Raiva pra que te quero
Por não ter
pleno conhecimento da estrutura de afeto que reina em seu próprio ser, os mitos
surgem e, uma frase que sempre ouvimos é: “- Só o amor constrói!”. Amor é sentimento, está além da emoção, na
realidade outra emoção pode nos levar a construir bem mais rapidamente, dentro
das seis consideradas bases universais. Não estamos falando de expressões
faciais, percebidas externamente pelo outro, estamos focados nas sensações
percebidas e plenamente identificadas pelo próprio sujeito que as manifesta e
transformada com o tempo em sentimento instalado.
Podemos
simplificar as emoções quanto às suas digitais comportamentais: Paralisantes (medo,
tristeza, espanto e nojo); Recuo (tristeza, nojo e medo); Conjugação perigosa (medo
e raiva) e Motivadora (raiva)
A
raiva só não serve como alavanca quando é internalizada. Algumas pessoas, por
motivos variados, direcionam a raiva para si mesmo e a somatização passa ser
inevitável. Doenças diversas, como pressão alta e alterações cardíacas, podem
se manifestar no sujeito, algumas delas chegando mesmo a incapacitá-lo de
alterar o externo como pretendia.
Temos
uma grande dificuldade em identificar corretamente a emoção no momento em que a
estamos vivenciando. Quando, após os segundos iniciais a manifestação da
expressão emocional pelos músculos da face, a emoção se instala e, depois de
mais algum tempo, após sofrer uma análise crítica consciente, ela se transforma
em sentimento, pode haver uma alteração por completo na forma de um indivíduo se
relacionar com o ambiente. O melhor, para evitar comportamentos que possam
ocasionar perdas sociais a longo prazo, é mudar a interpretação dos fatos logo
quando temos a primeira percepção da natureza emocional que surge negativamente
e, com isso, alterar a realidade entendida pelo nosso corpo e mente. Ou seja,
aproveitar a mobilização que a indignação (raiva) provoca no organismo, como um
combustível de mudanças no externo, de forma mais produtiva sem causar danos
desnecessários a outras pessoas ou a nós mesmos.
Uma
postura clássica dos lábios na expressão da raiva é o fechar dos lábios com
força. Nos experimentos conduzidos, no inicio da década de 1960, pelo psicólogo
americano Paul Ekman, foi pedido a representantes de povos, que viviam longe da
civilização, que demonstrassem como mantinham a raiva sob controle: eles
corroboravam essa mesma postura de lábios firmemente cerrados. Entretanto,
quando pedido que evidenciassem a raiva em ação, eles movimentavam os braços no
ar como simulando um ataque. Já entre as pessoas imersas na civilização atual,
ao serem submetidas ao mesmo tipo de solicitação, demonstravam a raiva sendo
liberada com os lábios de afastando, revelando uma postura de quem vai dizer
algo ofensivo à outra pessoa.
Desta
forma podemos inferir que, para nós, a expressão da raiva liberada pode ser
através de ofensas verbais. Gritar com alguém ou xingar um palavrão pode ser
considerado uma liberação da tensão interna provocada pelas mudanças orgânicas.
Originalmente, dois tipos de comportamentos foram observados nos animais na
manifestação desta emoção: o ataque a outros animais para obtenção de alimento,
e a agressão afetiva, que serve para corte às fêmeas ou demarcação de
território.
John
Flynn, nos anos 1960, identificou que os comportamentos agressivos eram
provocados pela estimulação de áreas específicas do hipotálamo, nas porções
lateral e medial. A raiva é uma emoção que está relacionada às funções da
amígdala, em decorrência de suas conexões com o hipotálamo e outras tantas
estruturas. A amígdala também tem grande atuação em outra emoção: o medo. Este
comando das estruturas cerebrais faz o organismo acelerar a produção de
adrenalina. A raiva também parece estar ligada às produções dopaminérgicas e
dos glutamatérgicos. Nesse sentido, os antidepressivos dopaminérgicos e
psicoestimulantes são potencializadores da raiva, já os antipsicóticos e
estabilizadores do humor, quase sempre exercem efeitos depressores sobre a
raiva. Na raiva, também ocorre uma elevação na taxa de açúcar no sangue numa
antecipação ao custo calórico necessário para a movimentação dos músculos.
Uma
situação que pode provocar a raiva em bebês nos diz muito da natureza dessa emoção.
Uma interferência física: segurar os membros da criança impedindo seus movimentos,
não permitindo que ela se liberte, irá disparar uma rápida reação. Isso demonstra
que essa emoção nasce quando algo está interferindo na nossa intenção de fazer
algo. Ela pode ser ampliada se percebermos ser a ação bloqueadora intencional,
ou seja, a pessoa que nos impede decidiu por fazer isto.
Este
aproveitamento de energia, provocado pela raiva, pode ocorrer naturalmente em
algumas pessoas que foram humilhadas, perseguidas ou que tiveram uma
interpretação da realidade que ressaltou tal emoção. Poderia ter sido diferente
se, ao invés da raiva ser controlada e direcionada para ação, ela tivesse sido
transformada em rancor e ódio. Esses sentimentos poderiam destruir a
possibilidade de um pensamento estratégico que oferecesse um rumo ao sujeito
que os vivencia.
Raiva que movimenta
Muitos
líderes, gerentes, homens ou mulheres de sucesso, estão tentando provar algo
para alguém que no passado os humilhou ou impediu seu desenvolvimento, desta
forma o seu sucesso atual é uma resposta à provação que podem ter passado em
outra época. Sua alta autoestima resulta de uma retroalimentação da sua emoção.
Algumas
pessoas relatam que seus sonhos trazem a memória de tempos difíceis na vida e
isso proporciona uma energia incrível para levantar pela manhã e lutar no
mundo, para nunca mais ter que passar por aqueles momentos terríveis do
passado.
A emoção, em si, e
o sentimento que ela desperta não é determinante para o comportamento. Como
interpretamos as situações e direcionamos nossos recursos é o que determina
sucesso, vitória ou doença e morte. Ouvimos sempre dizer que outros fatores,
como sorte ou azar, devem ter peso de influência no resultado final. Isso pode
ser até possível, mas a decisão de buscar por uma situação ou outra nasce no
livre arbítrio e esse surge da capacidade de percepção de nossas próprias
emoções. Não se pode tomar uma decisão sem ao menos saber que tipo de emoção
está manifesta em nosso organismo. A pura sensação fisiológica pode não ser
suficiente e clara ao ponto de permitir uma avaliação definitiva do progresso
comportamental.
Não existe emoção ruim. Todas foram mantidas durante a evolução por um bom motivo, elas são úteis para a manutenção da espécie, elas nos ajudam a permanecer vivos, sem elas poderíamos cometer erros de avaliação e nos colocar em risco de morte, por exemplo. Uma pena que, com a evolução social e cultural, o homem deixou de prestar atenção na linguagem interna, nas matrizes biológicas, e acaba, muitas vezes, precipitando ações que podem causar enorme prejuízo a si próprio.
“Não é a intensidade dos sentimentos
elevados que faz os homens superiores, mas a sua duração.” Friedrich
Nietzsche
João Oliveira é psicólogo, mestre em Cognição e Linguagem,
pós-graduado em Hipnose Clínica Hospitalar e Organizacional, pós-graduado em
Psicologia Humanista Existencial e pós-graduado em Cultura, Comunicação e
Linguagem. Diretor de Cursos do ISEC – Instituto de
Psicologia Ser e Crescer. Autor do livro ‘Saiba quem está à sua frente:
análise comportamental pelas expressões faciais e comportamentais’ e "Ativando o Cérebro Para Provas e Concursos" (editora
WAK)
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