A CARTA PERDIDA
Por João Oliveira
Em uma manhã quente, quase perto da última semana do mês de dezembro de 2023,
sob um céu azul sem nuvens e esse sol intenso do sertão nordestino, Augusto,
antigo carteiro experiente e querido pela comunidade, encontrou uma relíquia
inesperada em meio às correspondências que estavam, jogadas em um velho baú,
que foi achado na parte dos fundos da pequena agência onde trabalhava já há
quase 30 anos.
Ele teve a ordem de queimar tudo, uma limpeza há muitos anos não feita para
celebrar o início de um novo ciclo de gerência. Já estava jogando gasolina nas
tralhas velhas quando uma cartinha amassada lhe chamou a atenção.
Já na casa dos cinquenta, Augusto era um homem de sorriso fácil e coração
generoso. Sua pele escurecida pelo Sol e os cabelos brancos o destacavam da
paisagem agreste. Conhecido por todos como Seu Guto, ele sempre viveu nessa
pequena cidade do interior de Alagoas, dedicando-se ao trabalho postal com a
mesma afeição e cuidado que tinha com às pessoas da localidade.
Viúvo, pai de quatro filhos já adultos, Seu Guto encontrava alegria em sua
rotina e no afeto compartilhado pelos moradores locais. Mas, naquele dia, ele
encontrou algo que enriqueceria ainda mais a sua alma sempre comprometida com o
próximo.
Entre as cartas e encomendas perdidas ao longo dos anos, havia um envelope
antigo, desbotado pelo tempo, endereçado (quem diria?) ao Papai Noel. Movido
pela curiosidade e pelo espírito natalino, Augusto abriu o envelope e encontrou
uma carta escrita há 20 anos por uma menina chamada Maria da Consolação,
pedindo "apenas um Natal feliz para minha mãe que está doente".
As poucas palavras simples, mas carregadas de muita emoção, tocaram
profundamente o coração de Augusto. Ele se lembrou das festas de fim de ano,
repletas de alegria e união que teve em sua infância, e de como a “turma”
sempre se unia para ajudar a superar as dificuldades dos outros. Era, de fato,
uma cidade muito humilde, mas as pessoas compensavam o que pouco tinham com a
fartura de afeto.
Determinado a fazer algo de especial, Augusto iniciou uma busca para encontrar
Maria da Consolação. Com a ajuda de registros antigos do cartório de Seu
Eduardo e conversas com moradores mais antigos, ele descobriu que, ela ainda
vivia na região e que a morte precoce de sua mãe fez Maria enfrentar tempos
difíceis.
Foi forçada a ir morar com parentes em uma localidade mais distante, mas havia
retornado à região há alguns anos e trabalhava na colheita de jabuticabas e na
fabricação de doces artesanais. Ela os vendia aos turistas que sempre visitavam
a região.
Inspirado pelo forte senso heroico e empatia típica do nosso povo nordestino,
Augusto mobilizou algumas pessoas, mais próximas, para preparar um Natal
inesquecível para Maria da Consolação.
Ele conseguiu encontrar amigos de infância dela, vizinhos, e até ex-colegas da
escola municipal. Não foi uma tarefa tão difícil assim, pois, o lugar não tinha
mais que mil habitantes e praticamente todos se conheciam.
Pessoa por pessoa, que ele recrutou, deu como resposta um caloroso "-
Sim"! Faz parte da natureza do nosso povo mais humilde: estar disposto a
compartilhar o pouco que têm para acolher quem precisa mais.
Na véspera de Natal (ontem mesmo senhor leitor) Maria da Consolação foi
surpreendida no início da noite por batidas em sua porta. Ao abrir, viu uma
verdadeira festa acontecendo em seu quintal: rostos conhecidos e alguns nem
tanto mas, todos sorrindo e trazendo o que podiam - comida feita em casa,
pequenos presentes feitos à mão, e muita alegria.
No meio deles estava Augusto (Seu Guto), com um surrado gorro de Papai Noel, o
sorriso maior do mundo e segurando, com as duas mãos, a carta que havia
começado tudo.
Lágrimas de felicidade e gratidão brilhavam nos olhos de Maria da Consolação ao
ler as palavras que mesma escrevera na infância. Ela se sentiu abraçada pela
comunidade, compreendendo que, apesar das dificuldades, o amor e a
solidariedade sempre estiveram presentes em sua vida.
A noite foi marcada por uma alegre celebração, repleta de música, histórias, e
claro: comida típica!
Essa pequena história de Natal deseja lembrar o que é a verdadeira riqueza
existente no coração de todos nós. No espírito que deve ser mantido de poder
compartilhar momentos, de se encontrar, olho no olho, mesmo que através dos
modernos recursos tecnológicos.
Quem dera que aquela cartinha, hoje esquecida, que todos nós escrevemos um dia
na infância fosse encontrada por um “Seu Guto”. Que nossas palavras infantis
fossem acolhidas pelos amigos queridos e parentes próximos para serem
transformadas em afeto genuíno.
O maior presente é ter presente o amor, o reconhecimento, a amizade!
Mais que presente: o futuro! Cultivar o que pode estar esquecido para que
possamos ter amanhã, depois do Natal, a mesma sensação empática exalamos no dia
de hoje.
Desejo, apenas lembrar, que os laços que nos unem não são os que embrulham as
caixas de presentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário