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terça-feira, 21 de agosto de 2018

A MORTE NO DESERTO




Youssef Marakt percebeu que a morte o olhou de frente:

- O que deseja de mim?

Falou desesperado.

- Nada além da vida.- Disse a sombra que ilumina o escuro.

Pode ser que você (amigo leitor) não saiba, mas, a morte emana cheiro e calor. De fato, ela faz surgir em nós sensações que só saberemos diante da nossa própria.

Youssef não se apavora com pouca coisa. Dizem que ele mordeu uma Naja antes que essa tivesse chance de lhe dar o bote.

Homem de coragem falou:

- Quanto tempo tenho? Diga a verdade!

A morte, num gesto lento e cauteloso, levou a mão direita aos trapos sujos na direção da cintura e pegou um relógio de bolso pela corrente.

Sem mover a cabeça para olhar o relógio, ergueu o braço até que os ponteiros estivesse na frente de seus escuros e profundos olhos.

- Se o relógio ainda trabalha... Existe tempo.

A voz cavernosa encheu a noite no deserto.

- Isso significa que se eu estiver trabalhando terei tempo de vida?

- Veja bem - Disse o final de todos os seres vivos - Muitas vezes os ponteiros param porque ficam enferrujados... Outras vezes porque se esquecem de dar corda. Sabe, já vi relógios novos parados e velhos bem pontuais.

- Entendi o que disse.- Youssef se levantou - A senhora pode ter certeza que irei colocar todas as intenções que tenho em minha mente no mundo na forma de produção. Esse relógio irá trabalhar até o último segundo.

Servo do Califa, Youssef desejava ser médico ou engenheiro. Embora, naquela época, não tivessem esses nomes nas profissões.

- Diga-me apenas uma última coisa: porque prefere levantar o braço tão alto para olhar o relógio ao invés de, simplesmente, abaixar a cabeça?

A morte, também conhecida como último suspiro, sorriu sarcástica como sempre.

- Eu não me curvo para o tempo.

Sendo assim, quem até aqui chegou na leitura, a produção não é garantia de longevidade. No entanto, dá sentido ao tempo que temos.

Boa vida e até a morte.



Texto de João Oliveira

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