Por João Oliveira
Olhando
para o precipício Thuka percebia o quanto era pequeno diante da imensidão. As
montanhas, que rasgavam a linha do horizonte, pareciam caber na palma de sua
mão estendida, mas, ele as conhecia bem. Algumas podiam custar semanas de caminhada
para se chegar ao topo: eram muito altas.
Para
os pássaros isso não era lá grande coisa. As águias iam e voltavam do topo ao
solo muitas vezes todos os dias. Quem dera ele poder ter asas para voar. Como
tudo seria diferente se ele pudesse transpor as montanhas, negociar ao norte de Myanmar e voltar, ainda sob
o sol do dia, com as valiosas peças de jade e comprar belas camisas de seda.
Atravessar a
cordilheira de Rakhine voando era seu sonho maior. Talvez o único que tivesse
algum sentido. Todos os mercadores teriam que se curvar aos seus pés graças a
capacidade de ir e voltar em um único dia e retornando com os alforges cheios
de pedras.
Um dia algo
inesperado irrompeu a madrugada. Uma forte luz o despertou com uma presença
dentro de sua tenda.
- Queres asas
para voar? – Disse a voz de uma donzela que se escondia atrás da luminosidade
que o cegava.
Thuka, em um
misto de medo e euforia, apenas balançou a cabeça em um movimento que pode ter
durado mais tempo que o normal.
- Em nome de Bahá'u'lláh
te dou as asas com que tanto sonhas. Que elas sejam dignas de pertencer ao seu
corpo.
Da mesma forma
vertiginosa que chegou, a luz atravessou o teto deixando Thuka ainda perplexo
com o ocorrido.
Não mais
conseguiu dormir. Um gosto estranho na boca e uma terrível dor nas costas
tornaram essa a mais longa das noites de sua vida. Pela manhã percebeu o
milagre proporcionado por Bahá'u'lláh: suas asas haviam brotado e ele podia
voar.
Tornou-se não
o maior, mas o único mercador capaz de ofertar as melhores pedras e os menores
preço de todo o mercado. O jade lhe transformara em um homem rico e poderoso.
No entanto,
uma tristeza lhe corria a alma. Nenhuma de suas lindas e caras camisas de seda lhe
serviam. As asas permitiam apenas que ele usasse dhotis de linho atravessados em seu largo tronco. Era feliz, mas não
plenamente porque também não havia uma cadeira onde pudesse se sentar
confortavelmente. Às vezes, pensava que ter asas era um castigo recebido por
causa de sua ganância sem tamanho.
Na vida, todos nós podemos passar por
momentos assim. Em todo ganho há uma perda, isso é fato. O equilíbrio vem da
capacidade de entender isso e se adaptar as alterações da realidade. A
interpretação pessoal pode criar infernos e paraísos e isso só depende de cada
um.
Procurar ressignificar os eventos que surgem
em nosso cotidiano, ganhando ou perdendo, é o que nos faz superiores aos animais,
seres incapazes de reflexões profundas. Navegar pelas formas pensamentos, que
materializam em nossa mente sofrimentos desnecessários, é o mesmo que ser um
barco sem leme em uma tempestade noturna.
Seu leme é sua mente. Mantenha sempre a
direção correta pois, como sabemos, é possível navegar mesmo contra o vento.