Por João Oliveira
Sei
que se recordam que deixamos o nosso protagonista a ponto de saltar do precipício
quando descobriu que o pai dele era um mago que se fazia passar por rei.
Voltamos ao ponto em que os dois discutem o motivo pelo qual o pai (rei/mago)
havia criado todas as ilusões em sua vida (príncipe/plebeu). Caso não esteja
entendendo essa narrativa é porque está tudo certo, continue.
Fala
o filho enquanto balança o corpo bem próximo a beirada da montanha: - “Pai! Não
posso viver com isso. Porque me criastes dentro de uma ilusão? Por me
ocultas-te a existência da pobreza e dificuldades do mundo?”
O
pai, simples comerciante de secos e molhados na cidade de Ur, mas poderoso mago
na manipulação da realidade, disse sem levantar a cabeça: - “Porque eu te amo
filho. Foi por amor que te criei dentro de uma ilusão.”
Volta
a voz do rapaz a ecoar no abismo: - “Amor? Que tipo de amor é esse que coloca
um véu sobre a realidade e oculta o que de importante existe na vida?”
O
pai, que (não se esqueça disso) fingia ser rei explica: - “Filho, não há nada
que se possa aprender com a pobreza e o sofrimento. Eu te poupei dessas coisas
porque eu mesmo sofri muito na minha vida. Sabe filho, os pais sempre querem o
melhor para os filhos. Criei tudo ao seu redor com minha magia para evitar o
seu contato com o sofrimento dos homens para que você pudesse se desenvolver
mais feliz e pudesse ser um homem sem nenhuma mágoa ou angústia em seu coração.
Fiz isso porque te amo.”
Quase
soltando o corpo no ar, o jovem olha triste para o pai e pergunta: - “Pai, e
porque não me permitiu estudar outras religiões, outros conhecimentos ou mesmo
viajar?”
A
fala retorna ao pai: - “Porque te amo filho, já disse. Veja, o conflito que pode
ser gerado na cabeça de alguém com muita informação é horrível. Pessoas ficam
confusas diante de opções. Eu simplifiquei tudo para você te apresentando a
religião que conhecia, transferindo o meu conhecimento do comércio e te
mantendo seguro aqui, onde eu posso lhe dar toda proteção. Viajar é perigoso,
as estradas possuem ladrões, curvas perigosas e mares revoltos. Fiz para te
proteger, porque te amo filho.”
O
rapaz, olha para o pai com enorme tristeza estampada na face e diz: - “Por
causa disso não sei o que é falso ou real. Não estou preparado para viver nesse
mundo cheio de opções e diferenças. Vou me jogar neste precipício!”
O
pai vendo que o filho estava realmente decidido a pular do penhasco faz uma magia
e a morte se apresenta diante do antigo príncipe: - “Busca-me senhor? Aqui
estou, abraça-me e vamos para o meu silencioso mundo sem escolhas.”
Sabe,
a morte tem cheiro. Exala calor. A morte possui uma voz grave, um pouco
gutural. Faz surgir em nós sentimentos e emoções que só teremos diante da
própria e, nesse exato momento (mesmo sabendo que era fruto da magia do pai), o
rapaz ressignifica suas questões internas e diz: - “Pai, acho que posso viver
com isso.”
O
pai finalmente se levanta e fala sorridente: - “Que bom meu filho! Então a
partir de agora você também se torna um mago como eu. E, de magia e realidade,
vivemos em um mundo imperfeito onde ninguém tem certeza de estar totalmente
certo ou absolutamente errado.”
E
continua sua fala: - “Eu errei querendo acertar. Ao te proteger demais criei a
fraqueza em você. Agora, tenho o dever de desvelar tudo quanto puder do mundo.”
O
jovem, já voltando em direção ao pai fala e tom baixo: - “Sinto muito, seu tempo
de mestre já se foi. Acabou a aula pai. Bem ou mal formado é meu dever
desbravar a realidade que está sob o sol. Obrigado por reconhecer seu erro, mas
nossas vidas seguem rumos diferentes agora.”
Dito
isso, o nosso protagonista pega uma pequena mochila e caminha para fora da
cidade de Ur. Aos poucos ele desaparece no horizonte sem ao menos saber o que
existe após as montanhas.
Esse
texto é uma rudimentar adaptação de outro mais longo cujo o verdadeiro autor se
tornou desconhecido com o passar dos séculos. Trata de algo simples e fácil de
entender: não devemos dar o que nos faltou e, nem obstruir o que não
entendemos.
Os
filhos e as pessoas que estão sob a nossa guarda e proteção possuem destinos
próprios que serão construídos pelos seus erros e acertos. Querer direcionar um
futuro mais adequado baseado em nossa própria história de vida é o mesmo que
amarrar asas de um pássaro e depois querer que ele consiga voar.
Tente
olhar para si mesmo e descobrir quais são as coisas que subtrai da vida das
pessoas e o quanto de sua magia está usando para construir outra realidade.
Pode ser que isso seja a âncora que aprisiona navios cheios de cargas que podem
mudar o mundo.
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