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sábado, 14 de março de 2015

O SALTO PARA A MORTE



Por João Oliveira

                Sei que se recordam que deixamos o nosso protagonista a ponto de saltar do precipício quando descobriu que o pai dele era um mago que se fazia passar por rei. Voltamos ao ponto em que os dois discutem o motivo pelo qual o pai (rei/mago) havia criado todas as ilusões em sua vida (príncipe/plebeu). Caso não esteja entendendo essa narrativa é porque está tudo certo, continue.

                Fala o filho enquanto balança o corpo bem próximo a beirada da montanha: - “Pai! Não posso viver com isso. Porque me criastes dentro de uma ilusão? Por me ocultas-te a existência da pobreza e dificuldades do mundo?”

                O pai, simples comerciante de secos e molhados na cidade de Ur, mas poderoso mago na manipulação da realidade, disse sem levantar a cabeça: - “Porque eu te amo filho. Foi por amor que te criei dentro de uma ilusão.”

                Volta a voz do rapaz a ecoar no abismo: - “Amor? Que tipo de amor é esse que coloca um véu sobre a realidade e oculta o que de importante existe na vida?”

                O pai, que (não se esqueça disso) fingia ser rei explica: - “Filho, não há nada que se possa aprender com a pobreza e o sofrimento. Eu te poupei dessas coisas porque eu mesmo sofri muito na minha vida. Sabe filho, os pais sempre querem o melhor para os filhos. Criei tudo ao seu redor com minha magia para evitar o seu contato com o sofrimento dos homens para que você pudesse se desenvolver mais feliz e pudesse ser um homem sem nenhuma mágoa ou angústia em seu coração. Fiz isso porque te amo.”

                Quase soltando o corpo no ar, o jovem olha triste para o pai e pergunta: - “Pai, e porque não me permitiu estudar outras religiões, outros conhecimentos ou mesmo viajar?”

                A fala retorna ao pai: - “Porque te amo filho, já disse. Veja, o conflito que pode ser gerado na cabeça de alguém com muita informação é horrível. Pessoas ficam confusas diante de opções. Eu simplifiquei tudo para você te apresentando a religião que conhecia, transferindo o meu conhecimento do comércio e te mantendo seguro aqui, onde eu posso lhe dar toda proteção. Viajar é perigoso, as estradas possuem ladrões, curvas perigosas e mares revoltos. Fiz para te proteger, porque te amo filho.”

                O rapaz, olha para o pai com enorme tristeza estampada na face e diz: - “Por causa disso não sei o que é falso ou real. Não estou preparado para viver nesse mundo cheio de opções e diferenças. Vou me jogar neste precipício!”

                O pai vendo que o filho estava realmente decidido a pular do penhasco faz uma magia e a morte se apresenta diante do antigo príncipe: - “Busca-me senhor? Aqui estou, abraça-me e vamos para o meu silencioso mundo sem escolhas.”

                Sabe, a morte tem cheiro. Exala calor. A morte possui uma voz grave, um pouco gutural. Faz surgir em nós sentimentos e emoções que só teremos diante da própria e, nesse exato momento (mesmo sabendo que era fruto da magia do pai), o rapaz ressignifica suas questões internas e diz: - “Pai, acho que posso viver com isso.”

                O pai finalmente se levanta e fala sorridente: - “Que bom meu filho! Então a partir de agora você também se torna um mago como eu. E, de magia e realidade, vivemos em um mundo imperfeito onde ninguém tem certeza de estar totalmente certo ou absolutamente errado.”

                E continua sua fala: - “Eu errei querendo acertar. Ao te proteger demais criei a fraqueza em você. Agora, tenho o dever de desvelar tudo quanto puder do mundo.”

                O jovem, já voltando em direção ao pai fala e tom baixo: - “Sinto muito, seu tempo de mestre já se foi. Acabou a aula pai. Bem ou mal formado é meu dever desbravar a realidade que está sob o sol. Obrigado por reconhecer seu erro, mas nossas vidas seguem rumos diferentes agora.”

                Dito isso, o nosso protagonista pega uma pequena mochila e caminha para fora da cidade de Ur. Aos poucos ele desaparece no horizonte sem ao menos saber o que existe após as montanhas.

                Esse texto é uma rudimentar adaptação de outro mais longo cujo o verdadeiro autor se tornou desconhecido com o passar dos séculos. Trata de algo simples e fácil de entender: não devemos dar o que nos faltou e, nem obstruir o que não entendemos.

                Os filhos e as pessoas que estão sob a nossa guarda e proteção possuem destinos próprios que serão construídos pelos seus erros e acertos. Querer direcionar um futuro mais adequado baseado em nossa própria história de vida é o mesmo que amarrar asas de um pássaro e depois querer que ele consiga voar.


                Tente olhar para si mesmo e descobrir quais são as coisas que subtrai da vida das pessoas e o quanto de sua magia está usando para construir outra realidade. Pode ser que isso seja a âncora que aprisiona navios cheios de cargas que podem mudar o mundo.

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