Por João Oliveira
Fábio
dirigia pelo entorno da Lagoa, trânsito intenso, pois todos diminuíam a
velocidade para ver a árvore ou para procurar uma vaga. Pensava ele na
incongruência do setor de trânsito da cidade, proibir estacionamento em volta
da lagoa justamente na época em que todo mundo que ir ver a árvore de Natal.
Sem
pensar, em ato súbito para o carro em frente a um prédio, seu táxi estava livre
e seria muito bom pegar algum passageiro por aqui já que o congestionamento
iria lhe consumir muitos minutos. Vê que surge uma mulher belíssima, bem
arrumada e que, ainda de longe, nas escadas do prédio, lhe faz sinal de modo
sorridente.
Ela
entra no carro.
- Para onde senhora?
- Segue em direção a Barra, por
favor, quando chegar perto lhe explico melhor onde quero ir.
A
conversa começou imediatamente.
- Trânsito ruim hoje não é? –
disse ela.
- Enquanto a árvore de Natal
estiver aí, até o começo de janeiro, vai ser assim. Todo mundo que ver a árvore
da lagoa Rodrigo de Freitas.
- Que bom! – dispara ela - Pelo menos estas pessoas estão com saúde e
podem ir onde quiserem não é?
- Engraçado a senhora falar isto.
– fala triste o Fábio – Minha filha é muito doente e agora mesmo me lembrei de
que tenho de comprar alguns remédios para ela.
- O que sua filha tem?
- Um tipo de Leucemia grave que
já não permite intervenções tradicionais. Ela já passou por tudo nos hospitais
e agora está em casa, esperando a hora de partir. – Sua voz lentificou, com o
aspecto maior da tristeza.
- Espere um momento – diz a
mulher ansiosa – tenho aqui comigo alguns remédios que foram comprados
justamente para um quadro como este. Veja aqui! – falando isto entregou uma
bolsa ao motorista.
Ele
encosta o carro, pega a bolsa de remédios e vê o inacreditável, a exata receita
que tem para comprar está toda ali.
- A senhora esta me dando estes
remédios?
- Sim! Claro! A pessoa que iria
usar estes medicamentos não precisa mais. Pode ficar e levar para sua filha...
- Muito obrigado! Não sei o que
posso fazer em retribuição a tal ato...
- Bem – disse ela com um largo
sorriso no rosto – Sou uma mulher muito sozinha.
Algo
ocorreu naquele instante. Fábio encontrou caminho entre as poltronas da frente
para um beijo apaixonado. O sabor daquele beijo tinha algo de calma e
serenidade ao mesmo tempo em que era quente e estimulante. Deste instante até a
saída do motel não houve muito o que pensar. Simplesmente aconteceu.
A
mente de Fábio girava, pois, isto nunca havia ocorrido antes. Ele sabia que era
casado, mas, como mágica, não conseguia se lembrar de sua esposa. Apenas a cama
de sua filha doente eram as únicas lembranças de seu casamento.
- A senhora me desculpe, não sei
o que aconteceu...
- Márcia, meu nome é Márcia.
- Engraçado – disse ela – é o
mesmo nome da minha esposa. Mas, não sei porque não consigo me lembrar dela.
- Fábio...
- Como sabe meu nome?
- Fábio, volte para a Lagoa e me
deixe em casa. Por favor.
- Mas, como a senhora sabe meu
nome?
- Fábio, meu amor, você tem
síndrome de Korsakoff. Quando nossa
filha morreu, há cinco anos, você saiu em disparada e acabou batendo com o
carro. Um trauma craniano, dizem os médicos, foi o responsável por isto.
- Como assim? Do que você está falando? – Fábio dirigia com o olhar
espantando como se o mundo estivesse desabando sobre ele.
- Não se preocupe. Volte para casa de sua mãe, é lá que você mora
nestes últimos anos. Devolve-me a bolsa de remédios, pois vou precisar dela na
semana que vem. Todas as quintas você aparece lá no prédio quase sempre na
mesma hora. Eu estou sempre te esperando. Funciona assim nos últimos dois anos,
sempre do mesmo jeito.
- Mas, mas... o que vai ser de
mim agora?
- Nada, você vai sofrer apenas até dormir. Eu vivo com isto todos os
dias de minha vida. Os médicos falam que, a qualquer momento, você pode
recobrar a memória basta manter a rotina e não tentar forçar seu ambiente de
conforto. Como não se lembra de mim é melhor acordar sempre na casa de sua mãe.
Fábio
deixou Márcia, se esqueceu dela, voltou a se encontrar, amar e novamente
esquecer. Assim como nós em tantas vidas, uma após a outra.
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