Por Prof. Msc. João Oliveira
Depois
de quase duas horas andando pela floresta, fora da trilha, finalmente estava
sentada diante da velha. O medo era o sentimento mais forte naquele momento, o
estômago parecia querer se fechar em si mesmo e as pernas tremiam diante da
pavorosa figura.
- “O que deseja minha criança...?”
– Falou a bruxa com a cabeça virada para o lado esquerdo bem próximo ao rosto
da jovem mulher, que sentia o calor e odor de sua respiração.
- “Conseguir o amor perfeito!” –
disse com dificuldade. – “As pessoas me disseram que a senhora têm uma poção
mágica para vender que garante o casamento para toda vida.”
- “Tenho sim!” – riu a velha
torta –“Mas não vendo, eu amaldiçoo as pessoas com ela!”. Uma gargalhada típica
de bruxas velhas invadiu a floresta assustando os pequenos animais.
- “Você quer ser amaldiçoada a
ter um amor eterno?” – finalizou a velha piscando um dos olhos sem cor.
- “Mas, como pode ser considerada
uma maldição ter alguém e ser feliz durante toda a vida?” - Questionou a jovem:
- “Isso não seria uma benção?”
A
velha, nada disse e, em silêncio, foi bem devagar até um canto da casa
miserável, pegou um pequeno frasco, coberto de poeira, com um líquido vermelho
fluorescente e, levantando-o até perto do lampião, resmungou em tom profético:
- “Esta poção contém a maldição
de dar, a quem dela beber, a condição de encontrar a pessoa com quem viverá
feliz por toda a vida! (gargalhada) Mas, a maldição também condena a essa
pessoa a ter de tirar, todos os dias, um pedaço do próprio coração e servir
como alimento para manter o seu amor perfeito.”
-“Como!” – falou assustada a
jovem –“Se eu tirar um pedaço do meu coração, todos os dias, em algum tempo não
terei coração nenhum!”
Num
rápido movimento a velha puxou o cabelo da moça para trás da cabeça e de súbito
jogou o líquido pela boca da jovem adentro e rindo gritou:
-“Tarde demais! Já está
amaldiçoada!”
Algumas
semanas depois a moça amaldiçoada encontrou um rapaz. Os dois se envolveram e,
como era de se esperar, se casaram. Foram viver próximo à floresta, já que ele
tinha como profissão ser lenhador. Ela sempre realizando o seu compromisso para
manter o amor eterno, todos os dias, se escondia no banheiro e, com uma faca bem
pontuda e curva, tirava um pequeno pedaço do próprio coração e servia junto com
a comida ao seu marido. A dor era quase insuportável nos primeiros anos, no
entanto, com o passar do tempo, ela foi se acostumando.
Vieram
os filhos. A vida foi seguindo um rumo feliz e, claro, o seu amor jamais
diminuiu e sempre foi correspondida pelo marido. Claro, às vezes tinham
divergências, mas nada que não durasse uma noite apenas.
O
trabalho do lenhador o foi levando, cada vez mais, para o interior da floresta.
Um dia a já idosa senhora foi lhe levar o almoço (com o pedaço do coração dentro,
como sempre) e se descobriu bem próxima à casa da velha bruxa. Disfarçou um
pouco ao sair e pegou o rumo do casebre.
Suas
suspeitas se tornaram reais: a velha ainda tinha a mesma aparência. Os anos se
passaram, mas ela continuava com as mesmas marcas no rosto, como se os anos
nunca avançassem neste lugar.
- “Olha quem está de volta!” –
Gritou a bruxa – “O que quer agora? Não deu certo a maldição? Olha! Eu não
aceito devolução depois de 30 anos!”
- “Não é isso... deu tudo certo,
estou casada, amo meu marido, ele me ama também e somos muito felizes há mais
de 30 anos. É outra coisa, eu não entendo, como posso arrancar um pedaço do
coração, todos os dias há tantos anos e ainda estar viva???”
A
velha bruxa da floresta colocou as duas mãos sobre a barriga, se curvou para
trás e deu a mais forte gargalhada que as antigas árvores já ouviram. Ela
saltava com os dois pés juntos como uma criança se divertindo.
- “Mas é tão claro minha criança!
– respondeu em meio aos risos estridentes – “Ele também foi amaldiçoado! Quando
você não está vendo, ele também retira um pedaço do próprio coração e, te dá,
preenchendo o espaço do que você tirou para servir a ele. Por isso o amor não
morre, um completa o que falta no outro.”
A
mulher foi embora de cabeça baixa, a velha bruxa ainda existiu por alguns anos.
No lugar da floresta hoje está a sua cidade e, é bem provável que o casebre da
bruxa ficasse bem próximo de onde você mora agora. Não temos mais a poção em
frascos para beber, o máximo que podemos fazer querendo manter um amor para a
vida toda, é dar o melhor de nós, todos os dias, para a pessoa que amamos. Isso
pode doer no início, pois, é um processo de mudança, deixar de ser um para viver
a dois.
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