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sábado, 10 de janeiro de 2015

PERSEGUIDO




                Cena ocorrendo em uma caverna no alto da montanha. O sábio será identificado pela letra S e a pessoa que o procura, que chamaremos de Carlos,  pela letra C antes de suas respectivas falas.

S – O que o traz aqui?

C – É essa figura estranha que persegue...

S– Alguém está lhe seguindo pelas ruas?

C – Não é alguém... é uma coisa. Um homem de preto que quase sempre está próximo a mim. Eu não aguento mais. Na verdade não é bem um homem... as vezes rasteja no chão acompanhando meus passos.

S – Hum... durante a noite esse perseguidor desaparece?

C – Algumas noites sim. Na verdade a única forma que eu tenho de me livrar dele é entrando em um quarto escuro, assim não consigo enxergá-lo.

S – Você está me dizendo que ele desaparece quando você está na mais completa escuridão? 

C – Sim, é verdade. Essa coisa demoníaca é muito mais forte em dias ensolarados ou em ambientes bem iluminados.

S – Não seria então a sua sombra?

C – Todos dizem isso...

S – Provavelmente porque é mesmo sua sombra...

C – Mas eu não quero uma sombra preta me seguindo onde quer que eu vá. Preciso me livrar dela.

S – Veja, temos um problema aqui...

C – Claro que temos, por isso estou aqui!

S – Não é bem assim. Ocorre que você se considera uma pessoa boa, um ser de luz por assim dizer. Não é?

C – Sim, isso mesmo! E como ser de luz não posso ter uma sombra me seguindo onde quer que eu vá.

S – Isso, devo lhe dizer, é impossível. Ocorre que, ao andar sob a luz todos projetamos sombras. Não é que ela esteja nos seguindo porque quer. Ela é atraída pelos seres que estão banhados de luz e são, na verdade, a prova física que estes seres se encontram caminhando por bons lugares.

C – Como? O que o senhor está dizendo?

S – Somente os seres que caminham pelas trevas não possuem uma sombra lhe seguindo. Provavelmente porque elas já estão em toda parte nesses locais. Assim sendo entenda a sua sombra como uma certificação que você está no caminho certo: sob a luz que lhe ilumina.

C – A sombra é um certificado que eu sou uma pessoa boa?

S – Quanto mais forte a luz mais forte será a sombra projetada.

C – Ela é uma coisa boa! Prova que eu sou um ser que caminha na luz..

S – Exatamente!

                Ressignificar é saber alterar a percepção do fato sem alterar o ocorrido. Seu significado pode ser diverso dependendo de como se analisa o ponto que causa o conflito interno. Não é ser como o personagem Poliana, da literatura juvenil, que acha que tudo é bom na vida. Afinal, algumas coisas são realmente ruins e precisam ter seu luto vivenciado. No entanto, quase sempre o que nos causa angústia e sofrimento pode ter nova interpretação.
                 

domingo, 4 de janeiro de 2015

UM MAR DE PERSONAGENS



Por João Oliveira



O barco seguia rio acima com o barqueiro e um menino a bordo.

- Já estamos quase chegando, veja quantos personagens você já pode ver nas margens. – Disse o barqueiro enquanto manuseava, na popa da embarcação,  um grande remo traçando o número oito no ar e girando  levemente em seu próprio eixo.

- Já lhe disse que não faço parte disso, sou apenas um menino perdido... –  ao falar isso o menino foi abruptamente interrompido pelo barqueiro.

- E sem memória – continuou – Esta é uma característica comum em todos os personagens que saem deste lugar: perdem a memória e se esquecem de quem são verdadeiramente.

- Olá! – disse uma pequena tartaruga tentando subir pelo lado esquerdo do barco – Você viu o meu pai por aí? Me perdi dele e estou com muito medo. Você pode me levar para casa?

- Desça já deste barco. – Gritou o barqueiro – Vá continuar a sua história em outro lugar. Já temos problemas demais por aqui.

- O que é isso? – Exclamou o jovem – Vamos ajudar o filhote de tartaruga... que mal há nisso?

- Todo! Cada um tem a sua história e não podemos nos envolver nas aventuras dos outros, podemos estar estragando todo fundo moral da metáfora.

- Como? – Disseram ao mesmo tempo a pequena tartaruga e o menino.

- Você ainda está aí – Gritou o velho batendo com o remo na cabeça da tartaruga que caiu do volta na água.

- Olhe senhor barqueiro! Tem um monte de pessoas de verdade deste lado do rio.

- Sim, isso mesmo meu jovem. Do lado direito são os personagens humanos e do lado esquerdo os caricaturados e animais falantes. Essas coisas não se misturam. – continuou – Você pertence ao lado direito, pois é completamente humano.

- E o senhor? De que lado é?

- Não tenho essas qualidades... sou apenas o que leva e traz personagens perdidos pelo rio. Gente como você que não sabe onde se encaixar.

- Mas eu não sou daqui... tenho certeza: não pertenço a nenhuma história pronta.

- Ah! Pertence sim. A historia já está pronta só você não sabe disso. Espere um pouco.. pelos seus traços acho que sei de onde foi que saiu. Você me parece muito com um príncipe... deve ser o filho mais velho dele.

- Eu? – falou o menino – Filho de um príncipe?

- É, mas nem se alegre muito, geralmente existe uma maldição, uma guerra, um dragão... em todas as trajetórias dos personagens sempre existem muito mais problemas do que soluções. Na verdade, as boas histórias possuem mais desafios que os enredos comuns e as vitórias nem sempre ocorrem quando o herói deseja.

- Então, me deixe voltar de onde me pegou. Deve ser por isso que eu estava tão longe, quase chegando em outro reino.

- Não posso! Meu nome de fato é Destino e, por mais que você tente fugir, sou obrigado a traçar um caminho de volta para manter o rumo da história principal. Esse é o meu papel.

- Mas, não tem graça nenhuma nisso.

- Não sei, ainda não vi o final de sua história. Pode ser que tenha...

Nosso barco continua seguindo, rio acima, com um barqueiro para cada um de nós com nossa alma de eterna criança a bordo. Sua história está desenhada, cabe a nós colocarmos cores, movimentos, personagens...  escolhas.


sábado, 27 de dezembro de 2014

O Platô do Tempo





Ninguém nunca havia voltado de lá e, observar aquele platô incitava a forte curiosidade dos meninos da aldeia.
- O que existe lá no alto? – sempre perguntavam aos mais velhos.
- Nada, só pedras! – ou - Não é permitido subir. – ou ainda - Não interessa o que existe lá, pertence aos antigos: é sagrado. – eram sempre essas as repostas que ouviam.
E ainda mais, existia uma proibição de subir que punia severamente qualquer um que se atravesse entrar na trilha de subida. Bastava um movimento inconsciente na direção da montanha, que alguém já denunciava ao conselho de idosos.
Um dia o pequeno Jonas, de apenas 13 anos, em perseguição a um esperto coelho não se deu conta que ia em direção ao misterioso platô. Como já estava no meio do caminho e ninguém o havia visto, ele decidiu desvelar o mistério do platô e continuou a escalada após ter desistido do coelho. Já estava noite quando ele percebeu onde se encontrava: quase no topo! Como era muito escuro (noite sem lua), ele havia se perdido no mato e já não sabia se subia ou descia. Preocupado com a família e com fome, parou para descansar e adormeceu.
Ao abrir os olhos teve uma grande supresa. Estava deitado no cume do platô. Suas roupas estavam limpas, ele estava sem fome e, se sentindo muito bem. Muitas pessoas lá estavam também, todas belas e bem dispostas, duas vieram lhe cumprimentar.
- Seja bem vindo Jonas. – falou o mais velho.
- Como sabe meu nome?
- Aqui sabemos de tudo que se passa na sua aldeia. E também sabemos o que irá ocorrer no futuro.
- No futuro? Como isso é possível?
- Você está no Platô do Tempo, um lugar acima das prisões físicas corporais. Venha, deixa eu te mostrar um pouco. A beirada norte é o futuro, veja lá em baixo como a vila irá se transformar em uma grande cidade dentro de 50 anos. – continua o velho – Aqui, na rampa sul, podemos ver o passado. Lá embaixo, repare bem, são apenas cinco cabanas de quando a vila começava a se instalar.
- E os lados leste e oeste?
- Estes são destinados ao vislumbre da vida e da morte. Ao Leste vemos o ambiente dos vivos no momento presente.
- Nossa! – disse Jonas – o oeste deve ser então o mundo dos mortos, não é?
- Na verdade Jonas, é apenas um grande espelho. Na noite de ontem o frio da madrugada trouxe você até nós. Eu, você e todos aqui no Platô do Tempo estamos mortos e presos, por toda eternidade, por ter desafiado a lei que proibe a escalada dos vivos até aqui.
Esta é apenas uma metáfora para ilustrar o movimento comum da grande curiosidade que temos sobre tudo na vida. Procuramos sempre coisas novas e nosso cérebro adora mistérios. O problema reside na capacidade que temos de lidar (ou não) com as revelações que podem surgir diante de nós caso tenhamos sucesso em algumas incursões.
Será que estamos preparados para estar diante de todas as verdades que buscamos?
Não importa muito qual seja o objeto em questão do mistério. Pode ser qualquer coisa como, por exemplo, a verdade completa sobre as pessoas que nos rodeiam. Pense desta forma: as pessoas lhe tratariam da mesma forma se soubessem tudo a seu respeito? Então algumas verdades podem ficar guardadas pois, já foram úteis no seu processo de adultificação, ou coleta de angústias.
Fato é que o mundo (e as pessoas) sempre terão seus segredos e mistérios. E isso não é ruim. Muitas vezes é melhor saber pouco para sofrer menos ainda e aproveitar mais as coisas boas que o mundo e as pessoas podem nos oferecer.