Por João Oliveira*
Os humanos são seres projecionistas, que projetam o que sentem e se retroalimentam com os estímulos que recebem de volta do ambiente. Assim, o mundo é, em fato, uma representação emocional da carga individual que cada um de nós traz consigo. Simplificando: existe um mundo para cada um de nós e esse, nada mais é, que uma interpretação do afeto que ocorre no nosso universo subjetivo particular.
Dessa forma, olhamos para o outro e vemos algo de nós mesmos que pode ser:
- Algo que nos falta ou algo que nos completa.
- Algo que gostaríamos de ser, mas, não temos coragem de assumir.
- Algo que desejamos ou que nos foi tirado e por isso invejamos no outro.
- Algo que abandonamos, por vontade própria, mas, ao ver no outro ressurge nova vontade de ter.
- Algo que tememos pois, se assumirmos, pode nos transformar em outro ser.
- Vestígios de personalidades de outras pessoas que ficaram em nós de forma positiva ou negativa ao longo da vida.
Um exemplo positivo é quando alguém completa aquilo que temos e, isso nos faz querer estar próximo dessa outra pessoa. Com o tempo essa linha de afeto pode se tornar mais forte e se tornar um sentimento conhecido como amor.
No entanto, nosso foco maior hoje é o que ocorre com a pessoa vitimada, pelo que nela existe, criando no outro um processo de surgimento da expressão emocional da raiva. Quando sem controle e exteriorizada essa emoção pode ter efeitos danosos em todas as faixas etárias de um ser humano.
De início é bom deixar claro que a raiva (irritação) não é, necessariamente, uma emoção negativa (Oliveira, 2012) ela surge como mecanismo para alterar as produções endócrinas no sentido de reunir recursos internos para alterar algo no externo (Ekman, 2007). Ou seja, caso a irritação (raiva) for direcionada para a produção ela terá o mesmo princípio de ação que a gasolina oferta ao veículo movido a combustão interna: em regra a estrutura funcional muito se assemelha.
Surge um problema quando a irritação se transforma em agressão ao outro que pode possuir formatos diversos com: danos físicos, agressões propriamente ditas; e/ou danos psicológicos como nos relata Sampaio, J. (et all) em seu trabalho sobre a Prevalência de bullying e emoções de estudantes envolvidos:
As informações referentes à desmotivação, igualmente, merecem destaque por se apresentarem em níveis mais altos para as meninas. Isso pode significar que elas não se sentem possuindo condições necessárias para autoproteção, o que pode induzi-las a também se desmotivar em relação aos estudos ou faltar às aulas na intenção de se esquivar de sofrer novas agressões. Tristeza e vergonha também se destacaram para ambos os sexos. Essas emoções podem gerar sensação de impotência e, assim, intensificar o sofrimento vivenciado. (SAMPAIO, J. et all, 2015, p. 348).
Segundo os autores as meninas, em idade escolar, perdem a motivação, a vontade de continuar a progredir em seus estudos. No mundo adulto a estrutura de ataque tem outro nome: Assédio Moral. São as mesmas características do bullying estudantil: alguém que fere o outro com suas palavras e/ou atos, despejando seus desencontros internos sobre a vítima como se ela fosse a culpada pelo descontrole subjetivo do agressor. No mundo corporativo as mulheres são as maiores vítimas em todos os continentes. Essas vítimas vivenciam tristeza e vergonha e, o agressor, nada disso sente: “Para os agressores, prevaleceu a resposta referente a não sentir nenhuma emoção durante a prática de agressões, para ambos os sexos, sinalizando uma ausência de identificação com as vítimas. ” (SAMPAIO, J. at all, 2015, p. 350).
Os danos causados aos homens e mulheres que são vitimados por assédio moral podem se tornar irreversíveis senão forem ressignificados rapidamente. Não se trata apenas de ações trabalhistas que podem chegar a milhões de reais levando empresas quase a falência, nem mesmo da perda de produtividade de outrora bons profissionais e tão pouco do início de um processo de desligamento dessas pessoas das instituições. Estamos falando de algo que não pode ser medido com réguas e números, estamos falando de um possível futuro grandioso na vida dessas pessoas que pode, de uma forma dantesca, ser destruído completamente:
Os indivíduos acometidos pelo assédio moral, ao se sentirem ameaçados, deixam de levar uma vida normal e veem prejudicado todo o contexto de sua vida pessoal. Há casos em que eles se sentem esmagados e perdem inteiramente a disposição e a paixão pela vida. A destruição da identidade do indivíduo nos processos de assédio moral no trabalho se dá rapidamente. (FILHO, A. e SIQUEIRA, M., 2008, p. 16).
De tal modo, planos e projetos de vida podem dobrar a esquina, dar meia volta e deixarem de existir por conta de uma pessoa que não pode observar que estava diante de um espelho, refletindo parte não aceita dela mesma. Não existe justificativa para a agressão verbal, embora todos os agressores estejam prontos para, em detalhes, formalizar uma ampla defesa de seus atos. Todos os seres humanos, por mais irritantes que possam nos parecer, nada mais são que possíveis encontros com nós mesmos.
Os motivos para os ataques, como diz Filho, A. e Siqueira, M. (2008) em seu trabalho na página 18, podem ter várias facetas como: “O superior hierárquico pode perceber determinado subordinado talentoso como rival e ameaça à sua própria carreira, e tentar desacreditar ou sabotar o desempenho desse profissional”. Porém, olhar e ver no outro qualquer coisa que cause desconforto, nos diferentes formatos que minha mente for capaz de estruturar isso, pode revelar a necessidade de uma revisão do próprio estado de ser. Na maioria dos casos o agressor apenas sofre de insegurança ou baixa autoestima, algo que poderia ser cuidado com ajuda de um bom profissional psicólogo.
Fato é que todos nós interagimos e possuímos pessoas das quais gostamos que também interagem com líderes e gestores; e não é agradável ver o outro passar por constrangimento, assédio ou qualquer tipo de afetamento no ambiente de trabalho. A máxima “devemos fazer ao outro aquilo que desejamos que façam conosco” deve ser colocada como um mantra para as nossas atitudes.
Além disso, é sempre bom lembrar que as instituições modernas estão sempre avaliando seus colaboradores e vendo os melhores resultados em prol do momento e do mercado e aqueles que estão no poder hoje, podem não estar amanhã, por isso é importante tratar todo mundo bem, deixar sempre portas abertas e utilizar o respeito como base para tudo, pois somos todos seres humanos. E as pessoas lembram primeiro daqueles que são bons profissionais, é claro, mas que tem o diferencial da ética e que agregam valor como pessoas do bem, que ajudam ao invés de atrapalhar, que cooperam, que sabem se comunicar e que, acima de tudo relacionam e equilibrem efetividade com afetividade.
Não é o outro. Nunca foi! É o que se sente e como é manifesto isso no lugar onde atuamos. O mundo pode ser um lugar melhor se, todos nós, pudermos investir em sermos pessoas cada vez melhores nessa jornada em busca de autoconhecimento, sem nenhum ponto de chegada marcado ou previsto.
Referências:
EKMAN, Paul. Emotions revealed. New York: Holt Paperbacks, 2007.
FILHO, A. e SIQUEIRA, M. Assédio moral e gestão de pessoas: uma análise do assédio moral nas organizações e o papel da área de gestão de pessoas. RAM – REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MACKENZIE, Volume 9, n. 5, p. 11-34, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ram/v9n5/a02v9n5 - Acesso em 07/02/2016.
OLIVEIRA, J., Raiva a melhor emoção. São Paulo, Revista Psique, n. 80, agosto, 2012. Disponível em: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/80/raiva-a-melhor-emocao-sera-que-e-possivel-afirmar-que-266479-1.asp - Acesso em 07/01/2016
SAMPAIO, J. at all. Prevalência de bullying e emoções de estudantes envolvidos. Florianópolis. Texto Contexto Enferm, 2015 Abr-Jun; 24(2): 344-52. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n2/pt_0104-0707-tce-24-02-00344.pdf - Acesso em 07/02/2016
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