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sexta-feira, 4 de julho de 2014

A CARTA




Por João Oliveira


            Querido amigo, escrevo esta carta no intuito de remediar a longa ausência de contato entre nós. Escolhi este método por ser pouco usual e existir além da temporariedade. Veja, hoje na era cibernética é fácil mandar e-mails, sms, falar ao celular, mas, carta de papel, escrita a caneta, é uma coisa cada vez mais rara. Acredito que escrever com a mão sobre o papel transmite um pouco da emoção que se sente no momento.


            Justamente esta emoção eu gostaria de transferir para você, embora eu tenha certeza que pouco será útil nestes dias mas, que sabe, pode vir a completar a lacuna vazia de alguém neste vasto mundo.


            O que sempre ocorreu é que nunca tivemos tempo para nada. Seu propósito de vida, ganhar dinheiro, tirou você do meu campo de visão. Eu sempre busquei crescimento interior e você sempre zombou disto.


            Está certo. Nunca possuí um carro como o seu, nem morei em uma casa como a sua. Essas diferenças de conforto físico eu não posso negar, existem sim. No entanto, pouco tempo você teve para desfrutar de tudo a sua volta. Sempre algo importante estava ocorrendo e isso lhe tomava mais tempo ainda.


            Seus filhos cresceram e você nem viu direito. Sua esposa, como sofreu essa criatura, sempre pedia mais atenção e você (disso me lembro bem) jogava na cara dela que estava trabalhando para dar conforto a família.


            Eu posso dizer que conheço boa parte do mundo, que li bons autores e que sei os passos que darei nos próximos anos. Você, querido amigo, está preocupado com a segunda feira, com o horário que o banco vai abrir. Isso nunca foi vida para ninguém.


            Outro detalhe que eu gostaria de ressaltar nesta carta é a forma como você sempre cuidou de seu corpo. Nunca praticou nenhum tipo de atividade física, sempre se alimentou de forma errada e, ainda por cima, fumava e bebia.


            Não há como negar que uma bomba relógio estava se armando ao longo dos anos.

            Ouça o que eu tenho para te dizer:


1)     Dinheiro não é o mais importante. Ter na medida certa é muito bom, mas viver em função dele tira da vida o melhor que podemos ter: as relações.

2)    Só temos um corpo. Sim, este invólucro que cerca sua alma é frágil e necessita de cuidados especiais.

3)    A família é tudo. Se não tiver tempo para sua família esqueça o resto pois, nada vale mais a pena que uma boa relação com os filhos e netos.

4)     Temos pouco tempo! Sempre existiu uma crise em andamento. Por isso devemos escolher bem onde colocamos nossa atenção.



Bom, amigo, não posso me furtar de lhe falar que todo o dinheiro que acumulou e seus bens espalhados pela cidade continuarão a existir enquanto você, acometido deste enfarto já não está entre nós.  


Trouxe pessoalmente esta carta que deixo agora sobre seu túmulo. Sinto não ter escrito isso há 20 anos. Não sei se teria mudado algo, mas eu teria a consciência mais leve de ter lhe dito o que sentia.


Só mais uma coisa: breve estarei com você. Afinal, todos caminhamos na mesma direção e a falta de clareza em ver o término da jornada pode nos cegar e fazer pensar que sempre teremos tempo, à frente, para consertar as coisas que deixamos para trás. 


Sei que agora em está em paz, pena que sua vida não foi assim.


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