Por João Oliveira
- Não há o que temer se é a dor que lhe assusta.
Indra disse isso de costas para Darnak com suas mãos unidas atrás na clássica pose de general que sempre foi.
- Morrer dói com certeza, se não for uma dor física será uma tortura psicológica.
- Darnak, se recorda da dor que sentiu quando caiu do elefante na batalha em Vrindávana?
- Mas, eu não cai de nenhum elefante na batalha...
- Pode ser que tenha caído e não se recorda porque no tombo bateu com a cabeça isso apagou essa memória?
- Não sei...
- Dessa forma, então, pode ser a morte também. Não há dor sem lembrança.
Indra se virou e olhou nos olhos escuros de Darnak.
- Essa é uma conversa infrutífera. Não há nada nesse ponto de sua argumentação que possa alterar o que se dá no processo de transformação que todos irão se submeter um dia.
Darnak deixou a cabeça pender.
Ambos estavam no salão principal do palácio de Svarga no alto de Meru, uma das maiores montanhas do mundo. O assunto começou quando Indra convocou os nobres para enfrentarem, ao seu lado o asura Vritra que roubou toda água do mundo e tinha se transformado em um dragão gigantesco.
- Não é uma questão de temer a morte e sim de entender o processo – continuou Indra – Você teme, na verdade é perder as experiências corpóreas. Os prazeres e dores que o corpo oferta.
- Poderoso senhor... acho que temo é perder a consciência de quem sou.
- Você sabe quem é nesse momento?
- Sou Darnak, claro!
- Esse é o nome que seus ancestrais lhe deram.
- Sou seu capitão do exército montado!
- Esse é quem você se tornou.
- Sou esse que sente frio, fome, tem medo e coragem!
- Essas sãos as percepções do corpo.
- Então quem sou? Me diga senhor que tudo conhece.
Indra riu alto. Toda corte ouviu a gargalhada.
- Vou lhe explicar de um jeito que nunca mais irá esquecer. Todos os corpos físicos ou não, sencientes ou não, em todos os pontos do universo nesta e em todas as dimensões, são ligados da mesma forma que suas células da mente. Fios pequenos, quase invisíveis unem você a mim, aos asuras e as mais distantes estrelas de todas as galáxias.
Indra respirou fundo e continuou.
- O que acontece a uma lesma centenária no polo sul deste planeta interfere de alguma forma na velocidade de nossas vimanas, no calor do sol e na força dos ventos.
- Se eu morrer então irá faltar um pedaço disso, não é?
- Darnak, já ressuscitei milhares de homens caídos em campos de batalhas e, ao voltar, todos me disseram a mesma coisa.
- O que eles dizem sobre o mundo dos mortos?
- Eles se zangam comigo e dizem: - “Porque fez isso comigo, eu estava em paz!”
Darnak se assusta:
- O que isso significa?
- Darnak, ao morrer você não irá desaparecer, irá se tornar parte desta rede infinita e universal se tornando uno com tudo. Sem medo, sem fome, sem coragem... só conhecimento e paz.
- Não quero deixar de ser quem sou.
- Como poderia deixar de ser algo que nem sabe o que é?
- Então, porque existo nessa forma nesse momento?
- Porque é necessário.
A porta se abre e entra no salão Shachi, esposa de Indra:
- Meu amado é urgente que a solução seja encontrada. Recebi a informação que milhões padecem de sede.
- Estamos de saída Shachi, Darnak não irá comigo nesta batalha. Eu irei à frente empunhando Varja sobre Airâvata.
Darnak se levantou e gritou:
- Como ousa Indra? Sou seu servo mais leal e o único capaz de liderar as tropas de Svarga!
- Como ousa você pensar que pode ir a uma batalha temendo a morte. Pode um escriba escrever com medo que lhe falte tinta? Como um ferreiro constrói boas espadas temendo ser atingido pelas fagulhas? Existe algum pescador que se arrisca no mar sem saber nadar? Como ousa você vir lutar ao meu lado, sabendo que trago os mortos à vida, temendo passar por essa experiência corpórea?
- Cure meu medo senhor. – Se ajoelhou aos pés de Indra – Me diga: se vamos todos morrer porque nascemos?
Indra, sempre paciente com os humanos, se ajoelhou ao lado de Darnak.
- É uma oportunidade para aprendermos, evoluirmos, experimentarmos dor, alegria, frio e calor. É um momento para evoluirmos ou não. Os humanos podem se tornar apenas seres que vivem produzindo adrenocromo para os asuras por conta do seu medo da morte ou, quem sabe, se tornarem em vida seres que vibram altas frequências, conseguindo tocar a rede universal: extraindo música do ar.
- Me ensine a ser assim meu senhor...
- Acho que hoje tivemos nossa primeira lição. Levante-se vamos que a luta anseia por vidas e não há vida sem lutas.
Vocabulário pela ordem de aparição no texto:
Asura: mesmo que demônio
Vimanas: naves ou aviões
Varja: arma em forma de espada que gerava raios
Airâvata: elefante de guerra usado por Indra
Adrenocromo: tipo de composto químico produzido pelo medo.