O afastamento de prefeito só é possível após o trânsito em julgado na ação civil pública. Esse é o comando contido na Lei de Improbidade Administrativa[1], em seu artigo 20, caput[2], em farta doutrina e volumosa jurisprudência. Por isso, sem decisão definitiva em ação civil pública não há falar-se em seu afastamento.
Não se desconhece, é certo, que em situações excepcionais esse comando pode ser quebrado, uma vez demonstrada a excepcionalidade da situação, como, por exemplo, ameaça à instrução do processo. Todavia, não se admite sequer mera cogitação acerca da mencionada ameaça: sua demonstração deve ser de forma concreta. Por isso, em casos excepcionais e presentes os requisitos, identificam-se alguns precedentes dos Tribunais nessa linha.
No entanto, a interpretação ao supramencionado dispositivo é no sentido da inviabilidade do afastamento, o que se extrai da oportuna lição de José Nilo de Castro:
"Registro aqui meu inconformismo com a possibilidade de afastamento do Prefeito antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20, caput). É que a autorização a juiz de primeiro grau para determinar afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, na literalidade do parágrafo único do artigo 20 supramencionado, não está a alcançar o agente público - agente político -, detentor de mandato eletivo. Isto porque se tem a previsão do agente político como sujeito à sanção de afastamento do exercício do mandato na disposição paragrafária do artigo 20. O Prefeito não titulariza cargo, nem emprego nem função a que corresponda remuneração também.
(...).
Sobremais, se se pudesse afastar o prefeito do exercício de mandato, ter-se ia de observar o disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, verbis:
Art. 5.º
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(...).
Eis, aí, um dos dispositivos constitucionais mais desrespeitados por juízes. Porque decreta-se prisão preventiva ou provisória - o paciente é privado de sua liberdade, sem o devido processo legal, sem ser ouvido portanto. Decreta-se, por outro lado, aqui e alhures, sem ouvir o requerido, alimentos provisionais. Ora, perde-se bem, porque se priva de parte deles com cautelar fixando alimentos, sem contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. É comuníssima a agressão a este preceito constitucional. Aqui, no Brasil, quer-se cumprir as leis, mas não se respeita a Constituição". [3]
Em igual sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, com a seguinte ementa:
“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DO CARGO. INTELIGÊNCIA DO ART. 20 DA LEI 8.429/92. 1. Segundo o art. 20, caput, da Lei 8.429/92, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, como sanção por improbidade administrativa, só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, o afastamento cautelar do agente de seu cargo, previsto no parágrafo único, somente se legitima como medida excepcional, quando for manifesta sua indispensabilidade. A observância dessas exigências se mostra ainda mais pertinente em casos de mandato eletivo, cuja suspensão, considerada a temporariedade do cargo e a natural demora na instrução de ações de improbidade, pode, na prática, acarretar a própria perda definitiva. 2. A situação de excepcionalidade não se configura sem a demonstração de um comportamento do agente público que importe efetiva ameaça à instrução do processo. Não basta, para tal, a mera cogitação teórica da possibilidade da sua ocorrência. 3. Para configuração da indispensabilidade da medida é necessário que o resultado a que visa não possa ser obtido por outros meios que não comprometam o bem jurídico protegido pela norma, ou seja, o
exercício do cargo. Assim, não é cabível a medida cautelar de
suspensão se destinada a evitar que o agente promova a alteração de local a ser periciado, pois tal perigo pode ser contornado por simples medida cautelar de produção antecipada de prova pericial, nos exatos termos dos arts. 849 a 851 do CPC, meio muito mais eficiente que a medida drástica postulada. 4. Recurso especial provido”. [4]
Portanto, e sem desmerecer os posicionamentos em sentido contrário, sem a presença de situação excepcional, afronta a Constituição da República[5] e a própria Lei de Improbidade, decisão que sem o trânsito em julgado da ação civil pública afaste prematuramente o Prefeito.
* O autor é Advogado, escritor, pós-graduado em Direito do Trabalho e Legislação Social, ex-Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da 12ª Subseção de Campos dos Goytacazes e Professor Universitário.
Notas e referências bibliográficas
[1] BRASIL. LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992. Lei de Improbidade Administrativa. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L8429.htm. Acesso em: 24 abr. 2008.
[2] Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.
[3] CASTRO, José Nilo de. Revista de Direito Municipal. Belo Horizonte: Del Rey, ano III, n. 3, jan./jun, 2000, p. 35-36. (Destacou-se).
[4] STJ. REsp 550135 (MG). Relator: Min. Teori Albino Zavascki. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=afastamento+e+prefeito+e+art+e+20+e+tr%E2nsito&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 . Acesso em: 24 abr. 2008.
[5] Brasil. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/ . Acesso em: 24 ago. 2007.