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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

AUTONOMIA




                Por João Oliveira

         Ser capaz de internalizar as regras da sociedade e agir por conta própria sem ferir o código ético e moral vigente, é o sinal maior de adultificação e que o indivíduo alcançou a real autonomia de ser. 

               Quando crianças, recém nascidos, reina em nós a anomia, ausência de regras, um mundo onde todas as possibilidades são possíveis e estamos liberados para permitir o desejo de forma plena. A não satisfação dos anseios gera revolta, choro e birra. Este período não dura muito, às vezes poucos meses de vida, em função das regras apresentadas nos diferentes ambientes; logo chega a heteronomia quando o outro, neste caso os pais, cobra a conduta dentro do molde social estabelecido.

               O problema surge quando a heteronomia se torna o modo de vida que se solidifica por toda a existência.

               Não são poucas as pessoas que só seguem a ética e moral quando na presença de outro ou que necessitam de direcionamentos a cada instante para estarem de acordo com as normas.

               Jogar a lata fora, pela janela do carro, quando ninguém vê é um exemplo de alguém no estado de heteronomia. Este sabe o que é certo mas só o faz se outra pessoa estiver presente como testemunha de sua falha. Assim, para este grupo de seres viventes, não existe de fato pecado se outros olhos não podem ver.

               Agora o segredo: nunca estamos sozinhos sem julgamentos!

               Ocorre que existe em nós um sistema autopunitivo das nossas ações – em pessoas ditas normais (sem comprometimentos cognitivos) – que funciona durante todo o tempo quando estamos conscientes, em estado vigil. Basta ter uma primeira informação do que é certo ou errado para que este tribunal comece a funcionar. E isso será modo contínuo para o resto de nossas vidas.

               Assim, se fazemos algo que consideramos ser errado tendo plena consciência disso, algo entrará em colisão dentro de nós imediatamente. Podemos ver isso claramente quando fazemos análise comportamental em um indivíduo que mente com medo de uma sanção. Seus movimentos ideomotores inconscientes seguidos das contra medidas conscientes, deixam claro que o tribunal interno julga, condena e pune imediatamente as falhas cometidas.

               Essas pequenas punições internas podem passar despercebidas pela pessoa que vive na heteronomia mas, em muitos casos o acúmulo no sistema acaba por criar sintomas como forma de reparação aos possíveis erros. 

               Quem não possui noção dos erros por não ter sido apresentado as normas não sofre nenhum tipo de alteração endócrina pois, o sistema inconsciente não é capaz de fazer comparações entre o que é certo ou errado. Os doentes mentais, sociopatas e psicopatas também estão livres deste sistema de punição. No entanto, o resto de nós está sujeito ao eterno julgamento interno e as possíveis penalidades impostas sem nenhuma possibilidade de questionamento ou defesa. Tudo ocorre silenciosamente em nosso organismo e sempre justificamos os sintomas que surgem como prováveis resultados de doenças, mal estar, efeitos de má alimentação etc. Ou seja, arrumamos uma explicação qualquer para dar conta de tais efeitos em nosso corpo.

               Provavelmente viver em autonomia é uma forma de manutenção de um bom equilíbrio interno seja psicológico ou endócrino. De fato isso deve auxiliar bastante na boa saúde física. Pensando assim, os que vivem na constante heteronomia, poderiam manter uma ética constante como investimento num modelo de vida mais saudável.

               Claro que nem todos acabam ficando doentes ou com remorsos por terem colado durante uma prova no ensino médio, mas fazer disso um estilo de vida vai ter seu preço cobrado em algum momento. Quem sabe, possamos descobrir se isso já não está acontecendo agora, e alguns sintomas que temos talvez sejam resultados de ações punidas.
              
              

sábado, 10 de janeiro de 2015

PERSEGUIDO




                Cena ocorrendo em uma caverna no alto da montanha. O sábio será identificado pela letra S e a pessoa que o procura, que chamaremos de Carlos,  pela letra C antes de suas respectivas falas.

S – O que o traz aqui?

C – É essa figura estranha que persegue...

S– Alguém está lhe seguindo pelas ruas?

C – Não é alguém... é uma coisa. Um homem de preto que quase sempre está próximo a mim. Eu não aguento mais. Na verdade não é bem um homem... as vezes rasteja no chão acompanhando meus passos.

S – Hum... durante a noite esse perseguidor desaparece?

C – Algumas noites sim. Na verdade a única forma que eu tenho de me livrar dele é entrando em um quarto escuro, assim não consigo enxergá-lo.

S – Você está me dizendo que ele desaparece quando você está na mais completa escuridão? 

C – Sim, é verdade. Essa coisa demoníaca é muito mais forte em dias ensolarados ou em ambientes bem iluminados.

S – Não seria então a sua sombra?

C – Todos dizem isso...

S – Provavelmente porque é mesmo sua sombra...

C – Mas eu não quero uma sombra preta me seguindo onde quer que eu vá. Preciso me livrar dela.

S – Veja, temos um problema aqui...

C – Claro que temos, por isso estou aqui!

S – Não é bem assim. Ocorre que você se considera uma pessoa boa, um ser de luz por assim dizer. Não é?

C – Sim, isso mesmo! E como ser de luz não posso ter uma sombra me seguindo onde quer que eu vá.

S – Isso, devo lhe dizer, é impossível. Ocorre que, ao andar sob a luz todos projetamos sombras. Não é que ela esteja nos seguindo porque quer. Ela é atraída pelos seres que estão banhados de luz e são, na verdade, a prova física que estes seres se encontram caminhando por bons lugares.

C – Como? O que o senhor está dizendo?

S – Somente os seres que caminham pelas trevas não possuem uma sombra lhe seguindo. Provavelmente porque elas já estão em toda parte nesses locais. Assim sendo entenda a sua sombra como uma certificação que você está no caminho certo: sob a luz que lhe ilumina.

C – A sombra é um certificado que eu sou uma pessoa boa?

S – Quanto mais forte a luz mais forte será a sombra projetada.

C – Ela é uma coisa boa! Prova que eu sou um ser que caminha na luz..

S – Exatamente!

                Ressignificar é saber alterar a percepção do fato sem alterar o ocorrido. Seu significado pode ser diverso dependendo de como se analisa o ponto que causa o conflito interno. Não é ser como o personagem Poliana, da literatura juvenil, que acha que tudo é bom na vida. Afinal, algumas coisas são realmente ruins e precisam ter seu luto vivenciado. No entanto, quase sempre o que nos causa angústia e sofrimento pode ter nova interpretação.
                 

domingo, 4 de janeiro de 2015

UM MAR DE PERSONAGENS



Por João Oliveira



O barco seguia rio acima com o barqueiro e um menino a bordo.

- Já estamos quase chegando, veja quantos personagens você já pode ver nas margens. – Disse o barqueiro enquanto manuseava, na popa da embarcação,  um grande remo traçando o número oito no ar e girando  levemente em seu próprio eixo.

- Já lhe disse que não faço parte disso, sou apenas um menino perdido... –  ao falar isso o menino foi abruptamente interrompido pelo barqueiro.

- E sem memória – continuou – Esta é uma característica comum em todos os personagens que saem deste lugar: perdem a memória e se esquecem de quem são verdadeiramente.

- Olá! – disse uma pequena tartaruga tentando subir pelo lado esquerdo do barco – Você viu o meu pai por aí? Me perdi dele e estou com muito medo. Você pode me levar para casa?

- Desça já deste barco. – Gritou o barqueiro – Vá continuar a sua história em outro lugar. Já temos problemas demais por aqui.

- O que é isso? – Exclamou o jovem – Vamos ajudar o filhote de tartaruga... que mal há nisso?

- Todo! Cada um tem a sua história e não podemos nos envolver nas aventuras dos outros, podemos estar estragando todo fundo moral da metáfora.

- Como? – Disseram ao mesmo tempo a pequena tartaruga e o menino.

- Você ainda está aí – Gritou o velho batendo com o remo na cabeça da tartaruga que caiu do volta na água.

- Olhe senhor barqueiro! Tem um monte de pessoas de verdade deste lado do rio.

- Sim, isso mesmo meu jovem. Do lado direito são os personagens humanos e do lado esquerdo os caricaturados e animais falantes. Essas coisas não se misturam. – continuou – Você pertence ao lado direito, pois é completamente humano.

- E o senhor? De que lado é?

- Não tenho essas qualidades... sou apenas o que leva e traz personagens perdidos pelo rio. Gente como você que não sabe onde se encaixar.

- Mas eu não sou daqui... tenho certeza: não pertenço a nenhuma história pronta.

- Ah! Pertence sim. A historia já está pronta só você não sabe disso. Espere um pouco.. pelos seus traços acho que sei de onde foi que saiu. Você me parece muito com um príncipe... deve ser o filho mais velho dele.

- Eu? – falou o menino – Filho de um príncipe?

- É, mas nem se alegre muito, geralmente existe uma maldição, uma guerra, um dragão... em todas as trajetórias dos personagens sempre existem muito mais problemas do que soluções. Na verdade, as boas histórias possuem mais desafios que os enredos comuns e as vitórias nem sempre ocorrem quando o herói deseja.

- Então, me deixe voltar de onde me pegou. Deve ser por isso que eu estava tão longe, quase chegando em outro reino.

- Não posso! Meu nome de fato é Destino e, por mais que você tente fugir, sou obrigado a traçar um caminho de volta para manter o rumo da história principal. Esse é o meu papel.

- Mas, não tem graça nenhuma nisso.

- Não sei, ainda não vi o final de sua história. Pode ser que tenha...

Nosso barco continua seguindo, rio acima, com um barqueiro para cada um de nós com nossa alma de eterna criança a bordo. Sua história está desenhada, cabe a nós colocarmos cores, movimentos, personagens...  escolhas.