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quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

FELIZ NATAL?



Se você gosta do Natal, não leia esse texto. Ele não vai trazer nenhuma daquelas lições de moral, desejos de felicidades, investimento na autoestima... nada disso. Até muito pelo contrário, é capaz deste texto tirar um pouco do seu sorriso natalino.

Fui uma daquelas crianças que ficavam com os olhos brilhantes de desejo em frente a vitrines coloridas nas lojas no centro da cidade e, com os olhos brilhando com lágrimas de decepção ao não ser contemplado pelo bom velhinho no dia 25 de dezembro.

Tive uma infância simples. Isso é suficiente para que entendam.

Hoje, com a mídia entrando pelos buracos dos olhos de quem tem (ao menos) um telefone celular, o desejo de posse deve ser muito mais presente nas crianças do que há 50 anos.

Para saber das novidades tínhamos de ir ao centro. O que passava na televisão em preto e branco (só tínhamos a TV TUPI na época) era irreal: morávamos em Campos dos Goytacazes e a tv só falava do Rio de Janeiro. Outro mundo sabe? Outras coisas que sabíamos existir e que jamais teríamos acesso.

Assim, as ruas do centro e suas lojas eram as atrações nos natais. Nada de shoppings ou passeatas da Coca Cola. Muito simples e cruel. Quem nada tinha, nada teria: ponto final.

Passávamos em frente a uma loja numa véspera de Natal no começo dos anos 70. Essa exibia uma TV COLORIDA – isso mesmo – as cores haviam chegado às Tvs em 1972 (Em Campos demorou mais um pouquinho). 

Paramos, eu e meu querido falecido pai, em frente à loja Distribuidora Mercantil  - Rua Santos Dumont – que tinha um desses mágicos aparelhos ligados.

Meus olhos brilharam!

De fato, sempre fui um autêntico vidiota: Capitão Aza, Furação, Tia Arlete... sei lá quantos heróis no espaço ou nas profundezas dos territórios demarcados pelo Conde Arnold Saknussemm. A televisão completava o vazio de uma era sem lazer em uma cidade sem opções e, mesmo se tivesse, o parco monetário não daria para usufruir de qualquer coisa.

Pedi ao meu pai de Natal uma televisão colorida. Papai olhou o preço, abaixou a cabeça e me disse com a voz lentificada:

- Filho... acho que nós nunca poderemos ter uma televisão dessas. É muito cara... isso é mesmo só para gente muito rica. Não é coisa para pessoas como nós... vou comprar um papel transparente com três cores que vendem no mercado municipal, vai ficar igualzinha a uma tv dessas. Garanto!

Tinha lá meus 11 anos e não me lembro, em nenhum outro momento em minha vida, de ter tido tamanha tristeza como naquela noite. Nem mesmo nos momentos mais tristes que enfrentei – não foram poucos – tive um sofrimento tamanho como aquele proferido pelo meu pai:

- Nós nunca vamos ter uma TV colorida.

Cai no sono chorando silenciosamente na poltrona da sala onde dormia na rua Formosa, número 100, casa 1. Uma vila de casas que existe até hoje. Que noite quente e sofrida. O suor grudava minha pele na napa que cobria o velho sofá.

Nessa noite tive um sonho “numinoso” como nos diz Jung. Sonhei com Jesus Cristo no quintal lá de casa. Jesus, com seus trajes típicos, olhava de frente para mim com sua roupa toda ensanguentada – parecia que tinha limpado os punhos perfurados no camisolão branco. Sorria alegremente, indiferente ao meu sofrimento:

- Jesus???? O que você está fazendo no meu quintal????

- Vim te visitar Joaozinho ...  está triste?

- Claro que estou! Jesus, você é tão bom para todo mundo... me dá uma tv em cores nesse Natal?

Tem um detalhe importante aqui: o sonho era tremendamente colorido. O quintal lá casa estava repleto de flores (coisa que nunca teve) e cada uma era de uma cor diferente. Cada uma mais brilhante que a outra.

Jesus se abaixou para pegar uma flor e rindo disse:

- Que bobagem... menino João, vai chegar o dia que você terá tantas tvs coloridas em sua casa que vai abrir um armário assim (fez o gesto com as mãos de quem abre duas portas ao mesmo tempo e uma cara de espanto) e vai dizer: - Não sabia que tinha essa aqui.

Ele riu muito e eu ri também no sonho.

- Nesse dia – completou o Senhor em meu sonho profético – Você vai se lembrar de mim e que está aqui “apenas” a meu serviço.

Que bom que não tem uma câmera transmitindo enquanto escrevo nesse momento. Não há como não me emocionar todas as vezes que relato esse sonho. Provavelmente foi o principal motivo de minha busca incessante pelos mistérios dos sonhos, cérebro, fé.... que me levou (me trouxe) até onde estou hoje, mesmo que não seja nada grandioso o resultado.

Foram necessários uns 35 anos de minha vida, após esse dia, para que o sonho voltasse à minha mente.

Estávamos saindo para a praia quando pedi ajuda ao meu filho Victor Flávio para pegar a tv da sala. Na casa de praia não tinha uma tv. Victor argumentou que a televisão era muito pesada e seria melhor que levássemos a Tv que ele usava para jogar vídeo games.

Ele apontou para o armário em cima da cama. Subi na cama, abri as portas do armário e me deparei com um aparelho de tv pequeno que não me lembrava de ter comprado. Fiquei olhando tentando lembrar te onde tinha vindo aquele aparelho até que a lembrança do sonho de criança me recordou do aviso: - Você está aqui apenas a meu serviço.

Não peguei a tv, sentei na cama e senti a epifania ocorrendo em todo o corpo, principalmente na mente.

Acredito que todos estamos aqui a serviço.

Todos!

Uns prestam um bom serviço. Outros não sabem que estão em horário de trabalho. Mas, creio eu, a grande maioria nem acredita que existe uma força maior do que belos presentes natalinos. Coisas que compramos, usamos e descartamos após algum tempo.

O verdadeiro sentido do Natal se perdeu há muito tempo. Não é só a mídia que é culpada. São as pessoas que não sente seguranças em ser quem de fato são e se apoiam em muletas douradas, festas exibicionistas, perfumes caros, brinquedos que serão esquecidos... em coisas, coisas, coisas e mais coisas.

Não é isso.

Nada do que está fora de nós poderá nos completar. Está dentro: na essência do ser.

Óbvio que isso não é nenhuma novidade. Você sabe disso: chegou até aqui no texto. Outra pessoa teria abandonado a leitura no primeiro indício de lembrança do compromisso que temos: estamos aqui a trabalho.

Então, o que iremos produzir de significativo nesse período que todos comem, bebem, trocam presentes ou se entristecem por não terem nada disso?

Você não é assim, eu sei! O patrão não cobra nossa produção. Ele nos deu a capacidade de autoavaliação.

Na verdade, ele conta com isso.




Por João Oliveira, hoje com 56 anos (2018) acreditando ter bons serviços, silenciosamente, prestados.

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