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domingo, 24 de junho de 2018

CONFLITO DE IDENTIDADE




O momento atual requer que as grandes instituições façam a aplicação do método empowerment nos elementos de suas equipes funcionais. Esse método é conhecido por dotar o colaborador de mais autonomia e responsabilidade e, dessa forma, se torna a chave para aumentar a velocidade de resolução de demandas diárias. Isso requer também um grande preparo desses indivíduos que, a partir de agora, terão o poder de tomar algumas decisões finalistas sempre que isso for necessário. Ele se torna um micro gestor de sua própria função.

Mesmo as empresas que não optam pelo empowerment estão aplicando, de alguma forma, uma maior transferência de responsabilidades para os seus funcionários estando eles instruídos devidamente para isso, ou não, para isso. A boa produtividade solicita agilidade e cada posto de trabalho deve possuir a capacidade de solucionar impasses que ocorreram durante a execução das tarefas cotidianas. Dessa forma o profissional se vê, cada vez mais, parte de um todo institucional se tornando elemento indispensável a ampla estrutura onde atua. Na sua ação decisória resulta o sucesso ou o fracasso da própria organização.

Ocorre que isso acaba gerando uma pressão interna na cultura organizacional e reflete, muitas vezes, no surgimento de um estado de ansiedade capaz de ser levado pelo profissional além do seu período de atividade laboral. Esse indivíduo pode perder a capacidade de dissociar o estado onde está imerso nas responsabilidades profissionais do estado onde é um ser social e familiar: a ansiedade se torna um constante em sua vida.

Os elementos afetados por este conflito de identidade não possuem recursos suficientes para perceber o mal que os afligem. Não se dão conta da impossibilidade de ultrapassar a fronteira diária que existe entre o profissional e apenas um integrante normal da sociedade. Torna-se difícil ocupar, novamente, o seu lugar em sua estrutura familiar todos os dias ao fim da jornada de trabalho. Tal qual um general que não tira sua farda para jantar com a família, esse sujeito que não observa os limites dos dois ambientes e impõe a si mesmo e aos outros à sua volta uma série de restrições oriundas do seu mundo laboral.

Isso pode se dar pela falta de uma clara separação psicológica entre os dois universos distintos. O sujeito entra e sai de diferentes momentos de seu dia mantendo uma única postura que, para ele, é a mais importante no momento. O trabalho acaba se sobrepondo aos afetos da vida pessoal e, sem nenhuma percepção consciente, se torna a identidade reinante no sujeito.

Muitas profissões ainda mantém o hábito de usar uniformes durante o período de trabalho. Seja dentro da instituição ou fora dela, o colaborador que veste o uniforme sabe que é uma representação dos valores da empresa e sua conduta, durante este tempo específico, pode ser diferente nas interações com outras pessoas de quando ele não usa tal indumentária. Esse elemento cria uma marcação visível e ajuda na separação dos estados psicológicos.

Outras tantas empresas não optaram pelo uso de roupas padronizadas e permitem que seus profissionais se vistam de forma casual, porém, mantendo um certo nivelamento, um padrão mais ou menos estabelecido pelas diferentes culturas organizacionais.

Com ou sem uniforme ainda podemos notar um outro detalhe que diferencia o ser social, fora de sua jornada de trabalho, do profissional, inserido nas responsabilidades de seu cargo: o uso de um crachá. Da mesma forma que o uniforme, não existe um padrão estabelecido e várias instituições não possuem o crachá de peito como parte da identificação de seus colaboradores.

Essas diferentes modalidades de diferenciação que podem sinalizar a alteração de status de uma pessoa causam mudanças na estrutura psicológica atuando do mesmo jeito que os ritos de passagens durante a vida do ser humano. De forma micro e diária, o profissional que usa uniforme da empresa que atua, sabe o exato momento em que começa a responsabilidade, diante da sociedade de uma forma geral, de transparecer os ideais institucionais que estão inseridos nas cores, símbolos ou crachá que ostenta.

O mesmo pode não ocorrer de forma tão clara com o colaborador destituído da norma vestual. Esse profissional muitas vezes não consegue definir, com exatidão, onde começa e onde termina a fronteira que separa os seus perfis de atuação pela ausência de marcações distintas.

Isso não deve ser um real problema para alguns, mas, rotineiramente podemos encontrar no ambiente psicoterápico pessoas que se encontram em estado de grande ansiedade pela incapacidade de alterar suas estratégias comportamentais em ambientes sociais/familiares. São seres profissionais, atuando com posturas envolvidas nas missões e visões das instituições onde trabalham, todo o tempo.

Da mesma forma, o home-office pode criar um universo particular onde o trabalho e o lazer ou, a responsabilidade e o estado de relaxamento, deixam de existir claramente. O ser humano quando perde as referências que funcionam como fronteiras entre estados psicológicos, muitas vezes é levado a somatização ou, em casos mais leves, a sublimação que vai criar mecanismos de defesas.

Ninguém é capaz de manter uma sólida e única estrutura comportamental durante todo o tempo. A voz do presidente quando fala à nação não é a mesma de quando se dirige ao seu neto. A postura do caminhar do operário na fábrica difere, em muito, do modo como anda pelas ruas do seu bairro. São diversos e pequenos detalhes que podem ser percebidos externamente e, outros tantos, de ordem endógena, que só mesmo os indivíduos envolvidos no processo podem ter conhecimento.

Essa capacidade de se adaptar aos diversos modelos de ambiente por onde interagimos normalmente faz fluir uma dinâmica comportamental saudável. Saber retirar de si a capa que envolve o cargo é parte da estrutura para a manutenção de uma vida saudável. Transitar bem entre os perfis de identidades é algo que deve ser desenvolvido com tranquilidade justamente para manter o equilíbrio emocional sem criar pontos de estresse nos relacionamentos existentes.

Existem pessoas que são capazes de se desligar totalmente quando deixam a esfera laboral, outros profissionais (como médicos e policiais) são incapazes de fazer isso pelo próprio aspecto legal inerente ao seu código de ética de sua categoria. Mesmo esses devem ter suas estratégias de liberação e manter um estilo de vida familiar ou social saudável afim de proporcionar a válvula de escape dos processos de ansiedade gerados no trabalho formal.

Mecanismos sinalizadores podem ser criados como roupas de lazer ou um local de descanso onde o indivíduo possa se sentir, ao menos por algum tempo, liberado totalmente de suas características laborais. Ter atenção a esse problema já é metade do caminho andado para a solução. Se permitir ficar totalmente envolvido pelos problemas existentes no ambiente do trabalho, mesmo quando eles não existem de fato, é o caminho mais curto o desenvolvimento de sintomas psicossomáticos que, muitas vezes, acabam se tornando permanentes e com difícil remissão completa.


Por Prof. Dr. João Oliveira

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