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quarta-feira, 26 de abril de 2017

O CEMITÉRIO



Por João Oliveira

        Quando ele começou a trabalhar de vigia no pequeno cemitério de sua cidade, percebeu que, todos os dias, um homem ali entrava pela manhã bem cedo e depositava flores sobre os jazigos.

O ritual era sempre o mesmo: ele entrava, ia até um túmulo, fazia uma pequena prece, depositava o pequeno buquê de flores e ia embora. 

Apenas um detalhe lhe chamava a atenção pela estranheza: nunca era para o mesmo morto. Muitas vezes, o homem ia até o final do cemitério, outras vezes depositava as flores logo em uma das primeiras lajes próximo ao portão de entrada do cemitério.

Depois de assistir essa cena por alguns meses ele tomou coragem e se aproximou do homem:

- O senhor me desculpe, tenho visto fazer isso todos os dias e sempre em túmulos diferentes...

- É verdade, faço isso há mais de vinte anos.

- São conhecidos seus, parentes, amigos...?

- Os túmulos onde coloco flores?

- Sim, exatamente. Estou aqui há quase cinco meses e nunca vi o senhor repetir um, todo dia é um túmulo diferente... desculpe, mas, o senhor conhecia algumas dessas pessoas?

- Sim, de vez em quando me deparo com um nome conhecido escrito no epitáfio. Mas, na maioria das vezes, são de pessoas que nunca conheci em vida ou de outras que faleceram mesmo antes de eu ter nascido.

- E por que o senhor faz isso?

- Bom, em primeiro lugar por que passo aqui todos os dias para ir trabalhar e tenho um grande jardim em casa. Em segundo é por que não faço isso exatamente por eles e sim por mim.

- O senhor me desculpe – disse o jovem funcionário do cemitério– Não entendi...

- Ocorre que sob cada laje dessa existe uma história de vida. Pessoas que sonharam, foram tristes ou alegres, foram honestas ou corruptas, tiveram ética ou foram perniciosas... não saberia lhe dizer. No entanto, por mais que tivessem riquezas ou misérias todas hoje estão reunidas, ou o que sobrou delas, nesse grande campo-santo, um terreno cheio de ossos.

Deu uma pausa, sorriu levemente para o jovem funcionário e continuou.

- Venho aqui todos os dias apenas para me lembrar de que estou vivo e que tenho de me esforçar para ser muito feliz hoje. Mesmo que o dia me traga problemas, mesmo que tenha de enfrentar canalhas e pessoas invejosas ou, que tenha a grata surpresa de só encontrar pessoas que somem à minha construção de bem-estar. Tenho de ser feliz agora, pois, em breve, estarei igualmente sob uma dessas lápides e, muito provavelmente, não haverá nenhuma pessoa que, como eu, deposite flores sobre meu túmulo ocasionalmente.

O funcionário do cemitério ficou em silêncio e o estranho homem finalizou.

- Não venho aqui prestar uma homenagem aos mortos. Venho para renovar o compromisso que tenho comigo mesmo de viver plenamente cada dia da minha vida, investindo o máximo possível em ser feliz e praticar o bem. Afinal, já estamos todos mortos, inclusive eu, é só uma questão de tempo.

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