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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

IMAGINAÇÃO E REALIDADE





Por João Oliveira

- Você consegue ver algo no horizonte?

- Vejo as pessoas ainda dormindo como sempre.

- Isto é bom. Assim elas podem continuar sonhando.

- O que é isso? Você não prefere que elas morram sonhando?

- Sempre estiveram... que mal existe nisso. A morte é apenas mais um momento de desligamento que se eterniza.

- Não! Prefiro que acordem e percebam o que está ocorrendo.

- Elas jamais saberão o que está ou, que esteve ocorrendo, se estão sonhando mesmo acordadas.

                Dito isto, a figura esguia se levantou em frente a um exército incontável de soldados feitos de névoa. Como um supremo general se virou para a multidão sinuosa e gritou:

- Vocês estão prontos para criar novas possibilidades reais para essas unidades vivas feitas de carbono que também se ousam chamar de seres humano?

                O silêncio foi o eco que retornou.

- Viu? Diante da possibilidade de criar realidade dura e crua ninguém se move... agora, deixa eu ordenar de novo e veja o que acontece.

                Novamente toma a frente a figura sinuosa e, por mais uma vez grita:

- Darei bons bocados de prazer na existência prolongada para todo aquele soldado da criação que me trouxer, pelo menos, um novo desejo que não possa ser realizado criado na mente dos chamados humanos.

                Ocorreu uma reviravolta. Todos os soldados da criação (eles mesmos se denominavam assim por serem capazes de provocar desejos e querências) se levantaram e começaram a correr em direção aos que dormiam. Não houve batalha, foi tudo muito simples, apenas sopravam nos ouvidos dos humanos e estes sorriam, mesmo em sono profundo. 

- Viu, não lhe disse, está tudo resolvido. São mais de sete bilhões de almas sonhadoras e desejosas de algo que nunca alcançaram.

- Isto não e justo. Dominar aqueles que nem sabem que estão em uma batalha não é mérito.

- Por que você fala assim comigo Realidade. Justamente você que sempre se acha dono da verdade e é cheia de egocentrismos, análises de situações, estratégias, tudo que leva ao desgaste e sofrimento.

- Por isto mesmo, Imaginação. Acredito no momento presente, real, e nas decisões que podemos tomar diante das dificuldades para elevar o nível de consciência.

- Agora é tarde. Este plano já me pertence... todos estão felizes acreditando em muitas coisas ao mesmo tempo e nunca produzindo algo que seja de fato material e duradouro. Não é divertido observar como discutem sobre as performances de outros tão iguais como se fossem diferentes em alguma coisa?

- Você me faz sentir mais orgulho daqueles poucos que rompem a barreira do sonho e transformam desejos em fatos concretos.

- Estes nem entram na minha contabilidade, são pobres sofredores que se divertem menos que os demais.

- Sabe – disse a Realidade – você até que é útil quando está unida a mim.

- Acredita mesmo nisso?

- Sim! Brigamos sem motivo... afinal tudo que é real ocorreu primeiro na imaginação.

- Mas, você está misturando as coisas: - Eu sou a Imaginação, o sonho, coisas que nunca serão alcançadas: desejo!

- Sim, é fato, a grande maioria está perdida apenas sonhando e desejando. Mas, alguns conseguem ir além e vivem seus sonhos concretizados no mundo físico.

- Sinto muito. Só vejo o universo que conquistei. Eles sorriem tão somente com o que vivenciam dentro de suas cabeças.

- Que tal se no próximo plano uníssemos forças?

- Bem que gostaria Realidade, mas é justamente fugindo de você que eles caem em meus braços.

A Realidade deu uma longa gargalhada.

- Você me faz rir... eles não sabem quem você realmente é. Confundem ilusão com esperança. E fique você sabendo que não sou ruim, apenas eles só despertam quando se dão conta da minha existência em momentos de sofrimento: quando você finalmente falha.

A JOIA DA VERDADE





Por João Oliveira

                O Sultão andava de um lado para o outro na torre de observação sempre mirando a linha do horizonte no deserto. O mercador que estava trazendo a Joia Da Verdade já demorava cinco dias além do prazo estipulado. Não era medo de perder o valor pago que o deixava assim, era a ansiedade por ter as perguntas respondidas.

                A Joia da Verdade sempre responde três perguntas ao seu novo dono, depois disto ela se silencia para sempre para esta pessoa. O dono, que já teve suas perguntas respondidas, pode então vender a joia mas, não sem antes, fazer um elaborado ritual de entrega.

                Ocorre que a joia deve ser embrulhada na primeira noite do Ramadã e entregue ao novo dono antes que este período de jejum se encerre. Assim, o novo dono, terá de abrir a caixa da joia na primeira noite de lua cheia após o ramadã e, que com as duas mãos segurando a joia sob o luar à meia noite, proferir as perguntas.

                Agora uma caravana surgia ao longe. O Sultão Abhir Kabar Uslan sorriu pela primeira vez em muitos dias. Seu nervosismo tinha lugar, pois hoje será a primeira noite de lua cheia e, caso não pudesse abrir a joia nesta noite, deveria esperar por mais um ano para obter suas respostas.

                Uma grande festa se deu no palácio, a ansiedade pelo momento certo estava tornando cada segundo quase insuportável. Já com a caixa nas mãos o Sultão subiu até a mais alta torre de seu palácio e, sob o luar perfeito abriu a caixa.

                A joia estava acomodada em um pequeno travesseiro de cor vermelha o que aumentava seu brilho alaranjado. Ele, com muita cautela, ergueu com as duas mãos a pedra acima da cabeça e gritou:

- Quando irei morrer?

                O que ocorreu em seguida só sabemos por se tratar de uma história contada muitas vezes entre os povos árabes, pois ninguém que estava ao lado do Sultão realmente ouviu algo. A voz sensual de uma mulher ecoou apenas dentro da cabeça daquele homem e as palavras lhe disseram:

- Todos os dias, um pouco- E ficou em silêncio.

                A resposta não era exatamente o que o Sultão esperava e após ficar alguns segundos pensativo fez a segunda pergunta.

- Como posso ser ainda mais rico?

                Quase imediatamente a voz soou dentro de sua cabeça como um trovão.

- Valorizando as coisas que não possuem preço.

                O Sultão abaixou os braços e olhando a joia entendeu que tudo de mais precioso nunca lhe custou uma única moeda. Pensou em seus filhos, nas suas esposas, em suas refeições, nos amigos queridos... isso demorou alguns minutos até que ele levantou novamente a joia para fazer a pergunta final.

- Me diga ó joia da sabedoria universal. Qual o segredo de maior valor que devo saber para viver melhor, sem aborrecimentos ou ressentimentos, entre os seres humanos! O que devo saber, joia misericordiosa, para ser feliz todos os dias na minha vida!

                O silêncio se fez na cabeça do Sultão. Alguns instantes apenas que lhe fizeram se sentir abandonado por completo. Enfim, a joia respondeu:

- Não espere nada de ninguém. Ouça a todos sem contestar. Jamais responda uma pergunta que não foi feita e sempre prefira o silêncio às palavras não pensadas.

                Dito isto a joia perdeu sua cor e se emudeceu por completo. Ficou branca e só tornará a ter cor diante de um novo proprietário sedento por suas sábias respostas.

                Tenho certeza que você gostaria de ser o novo proprietário desta joia. Acredite, você já a possui, se chama consciência. Todas as respostas estão aí dentro de você, apenas ouça. Para isto é necessário que você faça silêncio e perceba essa voz que ecoa no seu ser.
               

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

VÍRUS KM 137




          Por João Oliveira
     
                Ninguém poderia dizer de onde surgiu este vírus. Mesmo hoje, no ano de 2172 alguns ainda falam que deve ter chegado à Terra em um meteorito que caiu na lá pelos lados da Oceania. Fato é que seus efeitos na humanidade jamais serão revertidos. Já se passaram cinquenta anos desde do primeiro infectado ser descoberto e, até hoje, não existe uma cura plena para este mal ainda absolutamente terrível.

                Devemos lembrar que nos primeiros momentos os infectados eram dados como desaparecidos porque desapareciam dos olhos normais. A alteração metabólica que acelerava as células também tornava todos os infectados virtualmente invisíveis já que seus movimentos mais lentos chegavam a 137 Km por hora.  Ultra rápidos qualquer tentativa de ficar parado em um só lugar somente criava convulsões. Só os corpos eram encontrados após o tempo máximo de vida (de alguns minutos a, no máximo, três dias) de qualquer pessoa que tivesse contato com o vírus nos primeiros anos.

                O envelhecimento celular ocorria (ainda ocorre, mas agora sob maior controle) de forma assustadora levando ao doente a uma falência múltipla dos órgãos em algumas horas. Lógico que isso também depende muito da idade da pessoa no momento da infecção. Um jovem poderia sobreviver por 72 horas, os idosos, no entanto, vão a óbito em minutos se não medicados imediatamente.

                Com o surgimento das drogas de controle os infectados, agora, podem quase viver normalmente. A química consegue desacelerar o ciclo celular e, embora não destrua o vírus, permite uma longevidade quase normal aos infectados. Não há cura (esqueça isso) temos controle.

                Mesmo com todos os cuidados para evitar áreas onde o vírus ainda está ativo ou medicamentos que fortalecem o sistema imunológico ainda estamos sob a praga do vírus KM 137 e, todos os dias, vemos mais e mais pessoas adentrando o sistema de tratamento mundial que foi criado especificamente para esta doença.

                O que mudou em nossa sociedade com este vírus? Podia-se pensar que a doença sempre é ruim e que pode destruir uma civilização. Não foi exatamente isto que ocorreu com nossa espécie: aprendemos a aproveitar o melhor da situação.

                Uma pessoa, no ritmo da infecção, dentro da medicação pode escolher produzir muito em sua área e finalizar projetos que antes seria impossível mesmo se vivesse muitos anos. A velocidade é tal que prédios são erguidos em poucos dias e, verdadeiras enciclopédias são escritas por uma só pessoa. Assim estamos avançando quando virtuosos escolhem produzir a viver muito.

                Outra particularidade é a impossibilidade de dormir. Mesmo sob o controle medicamentoso nenhum doente dorme e, apenas isso, já dobra a capacidade produtiva. Acredito que a humanidade avançou muito com o surgimento do KM 137.

                Uma corrente politica quer alterar o que já é comum. Proibir que as pessoas parem de se medicar para se aproveitarem da velocidade no mercado de trabalho. Os “normais” – não infectados – formam uma dura corrente que tende ao protecionismo da chamada normalidade. Eu não sou infectado, nem gostaria de ser, mas defendo o direito de alguém que abre mão do seu tempo de vida para deixar um legado pela sua produção.

                Realmente é algo para se pensar em qualquer nível. Como podemos diferenciar o que é viver? Sim, pois tantas e tantas pessoas existem e, em algum tempo se vão, deixando apenas lembranças e, tantas outras, se permitem a deixar algo mais. Algo que ficará além da própria existência. Se fosse possível a você escolher viver muito e não produzir nada ou, viver menos e construir algo que sobreviva sendo útil aos seus semelhantes, o que escolheria?

                Pensar sobre isso, sem pudor de escolher o que quiser, já nos permite entender os que deixam de partilhar seu tempo de vida com seus familiares para focar no trabalho ou, ao contrário, ver pessoas felizes sem nunca terem feito além do necessário para continuar existindo.

Os infectados têm escolhas também. Se medicados todos os dias podem chegar aos 80 anos é uma estimativa baixa perto da média atual de 130 anos mas, parando de tomar seus remédios para produzir, em alguns momentos, reduzem ainda mais drasticamente este período de vida. Sabemos de pintores que produziram centenas de quadros e faleceram em menos de uma semana numa escola de artes de Florença na Itália.

                Quem sabe não haja necessidade de uma única escolha? Quem sabe podemos fazer as duas coisas, cada qual em seu tempo ou período de vida? 

                Apenas um detalhe é realmente importante: antes de decidir o que fazer com o seu tempo de vida, descubra o que é viver para você.